O que você fez pelo RPG?

É engraçado como algumas discussões acabam descambando de seus assuntos originais e trazendo novas formas de questionamento. Fiz um post sobre os termos adotados na tradução da Galápagos Jogos para o D&D 5e. Além de algumas opiniões concordando e outras discordando, uma colega que joga swordplay (nem sonhava da possibilidade de ela jogar RPG) fez alguns comentários bem irônicos, o que acabou levando a algumas respostas em mesmo tom. Não faz sentido resgatar tudo o que foi dito, mas um a frase chamou a atenção.

Ano passado na escola tivemos a chance de criar grupos sobre assuntos que tinhamos em comum, muitos criaram clubes de futebol, outros de vôlei e eu decidi criar um de rpg. Vinte pessoas entraram (não era um número consideravelmente alto mas eu fiquei extremamente satisfeita) a maioria nunca tinha visto nada sobre rpg, era um povo que não lia e escrevia bem precariamente, fiz o meu possível pra tornar tudo mais simples e objetivo, no fim eu ensinei vinte pessoas a jogarem, jogamos por aproximadamente um ano com uma baixa de apenas quatro pessoas (…) Pelo jeito que você está descrevendo você teve 0 esforços pra ensinar ou manter alguma dessas pessoas e eu, se fosse você, seria o último a julgar hábitos de leitura de qualquer um pq pelo jeito que você escreve…. 26 anos de rpg e você ainda não aprendeu que não se trata de regras e de livros idiotas que custam 180 reais, rpg é se reunir, conversa e interpretar”. (Maria Regina Norder Mendes).

Eu não pretendo gastar o meu dinheiro com o novo D&D. Já tenho outras alternativas, como os manuais que já foram traduzidos por outros jogadores, o pathfinder 2.0, o tormenta 20 e claro, meus livros de 3.5 que não evaporaram ainda. Mas fiquei pensando… o que eu fiz pelo RPG desde que comecei a jogar com uns amigos de escola em 1989?

Eu ajudei a escrever um livro: Daemon Mítica junto com os amigos Marco Morte e Gabirela Viu. Tenho um blog de RPG ativo, desde 2008. E ele é uma reencarnação de outro blog de mesmo nome, do finado multiply, de dois anos antes. Contribui com revistas, trabalhei com pessoas como o Mário Câmara, o Douglas Reis, entre outras pessoas maravilhosas. Fiz, literalmente, centenas de amigos ao longo desses trinta anos de jogatina. Ajudei a fundar três associações de jogos (sendo que uma ainda é ativa), introduzi jogos desconhecidos como L5R, Aeon Trinity, Dragon Ball Z e outros para cidades inteiras, participei de eventos, financiamentos coletivos. Olhando assim nem parece tanta coisa, mas foram aventuras para várias vidas.

Então, do alto da minha experiência de vida posso responder sem medo: eu me diverti com o RPG e com ele fiz amigos. Qualquer coisa além disso é um bônus. E mais nada.

Máquinas de causar dano

Recentemente peguei uma discussão num dos grupos que eu acesso no facebook. Bom uma discussão não. Duas. Dois tópicos diferentes que acabaram se completando na minha cabeça. Um deles era de um cara que, com base no novo sistema de talentos, tinha criado um combo de personagem que era um “UM FOD3NDO MONSTRO!” no nível 10. O post terminava com um carinhoso “chamo pra porrada qqr um aqui pra uma fight limpa sem itens mágicos”.

Em outra parte da comunidade vi um relato de um narrador que tinha mestrado para três jogadores de 13 anos de idade cada: duas tieflings irmãs (uma ranger e uma ladina) e um paladino aasimar. Um grupo que derrotou um Nothic, apenas perguntando, genuinamente, como é que aquela criatura estava.

Eu sempre encarei o rpg como uma forma de viver uma vida diferente da minha. Uma vida desafiadora, cheia de aventuras, cujos desafios eu só poderia vencer em sonhos. Derrotar o duque negro, salvar a princesa, resolver o mistério da Baker Street, salvar o mundo do meteoro, explorar o mar de sargaços, recuperar a humanidade como um vampiro atormentado, atravessar a galáxia em menos de um parsec…

E existem milhares de formas de resolver esses desafios. Eu posso, literalmente, abrir o meu caminho com espada a escudo, me esgueirar pelos cantos, subornar, passar a conversa, dar a volta… mas parece que desde sempre a questão era seguir o lema do antigo desenho do streetfighter que passava nas manhãs de sábado do sbt. É sempre “vamos ao encontro do mais forte”, ou o “meu combo causa duzentos e doze dados de dano no nível 10”. Chega a ser broxante.

Não me leve a mal. Respeito um personagem que causa dano. Respeito o direito dos outros jogarem de hack ‘n slash. Acho até que tem momentos para isso. Não imagino como vencer o sub-zero de mortal kombat perguntando como ele se sente. Mas jogar só assim, com uma obsessão infantil, como se o rpg fosse apenas um desfile de quem consegue dobrar o sistema de regras para criara maior aberração possível, me cansa. De verdade.

No mais era só isso. Vai ver é por isso que eu gosto tanto do “bounded acuracy” do D&D 5e: um sistema que não permite muitos combos, mas com muitas opções de customização de personagem para além do “vou usar essa habilidade para causar mais dano”.