O poder do chifre

Uma das coisas que sempre me fascinou quando o assunto é RPG é a nossa própria história. Afinal de contas o RPG mais famoso de todos os tempos, o dungeons and dragons nasceu inspirado também da nossa história medieval.

Hoje estava conversando com alguns colegas a respeito de personagens e desilusões amorosas, quando um conhecido disse que ia fazer um mago necromante que tinha sido traído pela esposa. A ideia é que o mago, traumatizado pela traição, não conseguisse mais se relacionar amorosamente com ninguém e buscasse controle das coisas à sua volta. Que coisa mais controladora pode ter do que um mago cercado de zumbis que obedecem cegamente a seus comandos?

Nessa hora eu me lembrei que uma parte importante da história do Brasil foi escrita justamente por causa de um par de chifres.

O massacre de Canudos é este exemplo. Para quem não se lembra das aulas de história do ensino médio, Canudos foi um pequeno arraial montado no interior da Bahia, próximo ao Rio vaza-barris, organizado por um beato messiânico chamado Antônio Conselheiro. Conselheiro, que originalmente era advogado na Bahia, tornou-se um beato e pregador da palavra de Deus no interior do Nordeste por conta de uma traição amorosa.

O arraial acabou crescendo e conseguiu reunir no seu auge cerca de 25 a 30 mil pessoas. Infelizmente o crescimento do arraial de Canudos chamou a indesejável atenção dos coronéis, que temendo perder o seu poder, investiram pesadamente contra localidade. Foram três grandes invasões, sendo que a última teve participação de mais de sete mil homens do exército brasileiro, com o uso de canhões e metralhadoras contra sertanejos e vaqueiros. Cerca de 30 mil pessoas morreram, ou melhor foram assassinadas, pelo governo da época.

E o que isso tem a ver com a RPG você pode estar se perguntando agora. Vamos misturar a história do meu amigo mago necromante chifrudo com a do Antônio Conselheiro e ver o que acontece.

Na capital do Reino existia um jovem e promissor clérigo. Carismático e administrador nato ele viu sua carreira e vida ruírem quando descobriu a infidelidade de sua esposa. Enlouquecido pela dor e pelo ciúme, ele vagou pelo interior até que encontrou um antigo templo de um Deus maligno. Este Deus acabou dando o conforto que sua antiga divindade não foi capaz.

conselheiro

Então ele pensou em uma maneira de se vingar não apenas do seu Deus mas também de todas as mulheres do mundo. Ele criou uma comunidade religiosa em uma fazenda abandonada, onde todos viviam em comunhão e não havia necessidade de dinheiro. O fruto de todo o trabalho era dividido igualmente entre todas as pessoas e o excesso era trocado com comunidades vizinhas. Aos poucos, esta comunidade foi crescendo e sua fama foi se espalhando. Ao tempo este clérigo influenciava as pessoas a seguirem pela religião do Deus maligno, doutrinando as pessoas pouco a pouco, criando uma verdadeira cidade de fiéis e seguidores.

E aí pessoal o que acham dessa ideia?

O que World of Warcraft Classic pode nos ensinar sobre campanhas…

Quando fiquei sabendo que a Blizzard iria lançar o WoW clássico eu fiquei tentado a jogar. Refazer meu caminho pelo mundo de Azeroth. Rever antigas locações, reencontrar antigos NPCs, refazer algumas quests e, claro, me estressar muito quando morria para monstros de nível baixo. Tinha uma boa dose de saudosismo envolvido, até por que, afinal, eu fui um jogador assíduo de WoW desde 2007 até mais ou menos 2011-12 quando eu parei de vez.

Tem alguns dias que estou de volta e resolvi começar como um paladino humano. Mais chances de sobrevivência e sem ficar tanto tempo sentado, recuperando HP. Estou no nível 11 e praticamente não saí da floresta de Elwyn (ok, fiz uma quest que mandava entregar itens em Loch Modan, então tive eu ir a Ironforge de metrô, mas é outra história…)

Isso me fez perceber, ou me lembrar, de como WoW usa bem o seu cenário com base nas quests, fazendo você ficar zanzando de um lado para o outro do mapa. E nesse zanzar muitas vezes você tem que buscar caminhos alternativos e “livres de inimigos chatos” para chegar mais rapidamente onde você quer ir. Cada vez que você avança um pouco, parte das tramas que envolvem o jogo é contada. E se você parar para prestar atenção no que está fazendo, pode perceber uma história rica e cheia de reviravoltas que envolve cada uma das localidades que você visita.

Segundo a mesma premissa um grupo poderia rodar por várias aventuras sem precisar sair do local de partida da campanha e seus arredores. Um mestre criativo pode fazer com que os jogadores fiquem rodando pela região, não apenas para explorá-la, mas para aproveitar bem tudo o que ela tem para oferecer.

Se você mestra Forgotten Realms pode propor a seus jogadores pequenas quests que os levem de um lado para o outro do mapa, indo de Neverwinter a Luskan, de Luskan a Mirabar, de Mirabar a Longsaddle e de Longsaddle de volta a Neverwinter. Um pedacinho de 400km de mapa, mas que pode ser palco de aventuras por muito tempo.

Veja um exemplo:

Sargento Osric Longshield: Olá aventureiros. Fiquei sabendo que estão indo em direção de Mirabar… bem, estamos com pouco pessoal e preciso que esta carta chegue até o Capitão Valdrin, em Blackford Crossing. É caminho de Mirabar. Mas claro que não espero que desviem de seus caminhos à toa. Vinte moedas de outro para dividirem entre vocês. O que me dizem?

Chegando em Blackford Crossing, o capitão Valdrin fala: Mas estas notícias são mesmo preocupantes. Aqui no relatório diz que os bandidos estão usando as velhas minas de prata como rede de transporte de escravos ilegais, por baixo das barbas das autoridades. Digam amigos, não gostariam de investigar a veracidade desses fatos? Tragam para mim uma prova de quem está por trás deste esquema e vos recompensarei. As minas ficam nos Crags, perto do Rio Mirar…

Voltando em Blackford Crossing, falando com o Sargento Dulley: Mestre Valdrin? Ele não está. Foi chamado para uma missão de emergência na encosta do monte Hotenow. Esta encomenda é para ele? Bem, vocês podem me entregar e  eu os pago quando ele voltar, ou vocês podem entregar diretamente a ele. O monte Hotenow fica ao sul daqui, seguindo pela Floresta de Neverwinter. Cuidado, dizem que está infestada por lobisomens.

Agora troque as cidades de Faêrun para localidades do seu mundo de aventuras e pronto.

O próprio deslocamento deles pode leva-los a novas aventuras. Faça seus jogadores baterem perna por aí.