No começo…

– Pai como tudo começou?

Hodrick, o alvo da pergunta, olhou com carinho para seu filho mais novo. Era a terceira vez que o pequeno o acompanhava ao campo, para os serviços. Os irmãos mais velhos do pequeno a muito já haviam deixado o lar: o mais velho havia se tornado guarda na cidade de Pouso dos Reis e o do meio deixara de dar notícias a mais de meio ano quando enveredou-se pelo mundo como “aventureiro”.

– Como assim? Como “tudo” começou? – perguntou ele tentando prolongar mais a conversa em busca de uma boa resposta para o filho.

– O mundo, pai. Quem pintou o céu de azul? Quem colocou as montanhas nas montanhas? E por que “elfo” é um palavrão?

Hodrick achou graça nas palavras do filho. Como o mundo havia mudado. Nos dias em ele era uma criança, ele não tinha tempo para esse tipo de pergunta. Estava ocupado demais sobrevivendo para pensar coisas assim. Ele riu, coçou a barba cheia e pousou o machado ao chão. Aproximou-se do filho, bem na altura do rosto da criança, e começou:

– Bem, no começo o mundo era vazio. Então surgirão os Deuses. Os nove, aqueles que sua mãe convida para jantar todas as noites… Bem, os deuses criaram o mundo e colocaram o azul no céu e as montanhas nas montanhas…

– Mas e o elfos?

– Elfos eram servos dos dragões. Os dragões foram criados pelos deuses para serem os guardiões do mundo. Eles tinham quase o mesmo poder dos deuses. Mas poder demais nas mãos de qualquer um é ruim e os dragões tornaram-se corruptos.

– O que é “corrupto”, pai? – perguntou o mais novo, olhos brilhando de excitação.

– Hmm. Boa pergunta. É o mesmo q eu malvado. Alguém que usa suas habilidades e poderes para prejudicar os outros. Mas continuando, os dragões criaram os elfos para ajudar a conquistar o mundo. E os elfos fizeram de humanos, gente como nós, seus escravos. Foi uma época muito sofrida para todos os homens, mulheres e crianças.

Hodrick puxou o cantil e limpou a garganta com um pouco de água das vinhas, que sua esposa lhe preparara mais cedo. Era um chá amargo, para ser bebido frio. Diziam que prolongava a saúde, e ajudava os braços a terem mais força e disposição. Imaginava se o chá também lhe daria o dom da palavra a fim de explicar para o filho tudo o que ele queria saber. Por fim, continuou.

– Um dia os dragões entraram em guerra com os deuses. E viajaram até a casa dos deuses para lutar com eles. Os elfos aproveitaram a ausência dos dragões e se fortaleceram, expandindo seu território em todas as direções. Lembra-se daquelas ruínas escuras do outro lado da cachoeira, perto da casa da sua tia Helga? Pois é… foram feitas pelos elfos. Tudo que é antigo, escuro e de certa forma mágico, que ainda existe por aí foi feito pelos elfos ou foi aprendido com eles. Nesta época eles quase levaram a humanidade à extinção. Os elfos eram maus, arrogantes, representavam tudo que havia de ruim no mundo. Sua aparência era linda, como uma maçã madura… mas por dentro, era como se fossem veneno de serpentes.

– E o que aconteceu com os elfos?

– Bom, um dia os dragões voltaram. Ou o que sobrou deles.  Eles foram quase que aniquilados pelos deuses e quando chegaram, viram que o mundo deles, não era mais deles. Uma nova guerra surgiu. Elfos e dragões, magia e fogo rugindo nos céus. Os homens rebelaram-se contra os elfos e fugiram para as cavernas. Quando saíram o mundo tinha acabado. Estava todo queimado, destruído, em ruínas. Nenhum sinal de dragões ou elfos.

– E que aconteceu?

– Ninguém sabe ao certo. Uns dizem que os deuses interferiram e acabaram com os elfos e os dragões. Outros dizem que os dois se mataram.  Outros dizem que após eliminar os elfos os dragões foram para outro mundo a fim de se recuperarem…

– Como um troll ferido? Que nem as histórias de Melk?

– Sim, como nas histórias do seu irmão. Aliás, devemos ir. Não somos trolls e nossos ferimentos não fecham com tanta facilidade. Se sua mãe souber que passamos metade da manhã de bate-papo e não pegamos nenhuma tora de lenha, precisaremos ter sangue de troll para sobreviver.

O mais novo sorriu e se pôs de volta ao caminho…