Vida no complexo Prata-6
O som da tela de LCD dispara para além do volume que Roland tinha deixado noite passada. É o sinal do despertador inteligente que avisa que um novo e glorioso dia começou em Dédalo. A tela se ilumina, mostrando um paradisíaco nascer do sol, onde duas moças e um rapaz convidam para uma sessão de exercícios.
– Vamos lá! Sem moleza! Vamos começar a alongar esses músculos – diz a loira siliconada com voz carregada de excessiva sensualidade.
Roland se levanta olhando a TV com desdém. Ele se levanta tentando não ouvir a música de academia tocando no fundo. Por fim ele diz “canal do tempo” e a TV muda para a previsão do tempo em Dédalo. Uma imagem holográfica de um senhor de meia idade vestindo um terno tweet começa a falar sobre umidades relativas do ar e temperatura nas zonas da cidade livres das gangues e dos invasores.
Ronald passa para a cozinha, adjacente à seu quarto. Na verdade o seu apartamento é um quarto-sala-inegrada-e-banheiro de pouco mais de 30m². A sala e a cozinha são uma coisa só, separadas por uma bancadinha de imitação de madeira. Na cozinha uma máquina de lavar, uma geladeira e dispersor de comida. Ela toca no display do dispersor: as opções se acedem com o que existe no menu e o preço de cada um. Ele olha demoradamente as frutas, pensando quando vai ter HT’s o bastante para comprar uma delas. Por fim decide pelo de sempre: um shake.
Shake é o nome dado “carinhosamente” pelo pessoal que consome o produto. É barato, custa pouco mais de 0,31 HT por dose. Diz o rótulo que é feito com proteína de soja isolada e contém 23 vitaminas, ferro e sais minerais que o corpo precisa. Ele completa o pacote com um copo de hidrotônico sabor “chá verde light” e encomenda para o almoço outro shake para o almoço. O copo reciclado sai pela portinhola, seguido pela mangueirinha. 400 ml de líquido cremoso e cor de rosa são cuspidos no copo. O sabor não é ruim, pensa Roland, se você não se importa que ele seja igual a lamber as costas de um pedaço de azulejo.
Hora do banho. 5 minutos de chuveiro é tudo o que ele pode pagar, por isso ele raciona bem. Depois é vestir a roupa, pegar o equipamento no armário embutido e ir para o trabalho. Roland é membro de equipe de segurança. Ele é um soldado raso. O nível mais baixo da hierarquia. Por isso ele mora tão mal, junto com todos os outros soldados no complexo Prata-6.
Ele não sabe o que pode ser pior: ser morto em combate pelos malditos rebeldes invasores ou acordar com o canal de esportes de novo.
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A vida em Dédalo não é fácil para as pessoas que vivem no lado abastado da ilha. Seus números cresceram muito nos últimos anos e a vida sustentável que eles tanto idealizaram acabou tendo um custo muito alto.
As pessoas são separadas de acordo com a sua casta. A sua casta surge de acordo com a sua profissão e a escolha da profissão vem por meio de testes de aptidão. Quando a criança completa sete anos, é levada para a “Creche”, uma instituição governamental que vai instruí-la. Lá ela é testada de acordo com o seu potencial: ouro, prata, bronze, ferro e latão.
Latão são os cidadãos de última classe. Gente especializada em trabalho pesado. São que recebem o menor modificador de HT e a pior educação. Recebem educação apenas o bastante para realizar seu trabalho de manutenção, construção e carregar peso. Praticamente escravos. Vivem nos complexos de Latão, próximo das fábricas que trabalham.
Ferro são comerciantes. Eles são pessoas que vendem produtos e serviços. Vendedores de roupas, médicos particulares, advogados e outros profissionais. Recebem bem mais educação e formação profissional que os Latão, e possuem mais qualidade de vida.
Bronze são os professores, líderes espirituais, tutores, administradores. São eles que ensinam e coordenam a cidade.
Prata é casta responsável pela segurança da cidade. Guerreiros, soldados, lutadores. São a força de segurança. Tem um modificador médio de HT e recebem uma educação belicosa. Prontos para lutar, sempre.
Ouro. São a casta dos filósofos, pensadores e homens iluminados. A eles cabem decidir os rumos da cidade, suas políticas. Recebem a mais extensa e complexa das educações. São os guardiões das tradições, da cultura e mestres dos segredos de Dédalos.
O romance entre castas é estimulado, afinal a cidade precisa de filhos.