O problema das comunicações nos mundos de fantasia medieval

Manda um zap!

O nosso mundo mudou muito nos últimos 50 anos. Mas se tem alguma coisa que realmente se transformou para algo que a humanidade não estava preparada e nem sequer sonhava foram as Telecomunicações. Em menos de 100 anos passamos da carta do Papel, com selos e carteiros para a comunicação praticamente instantânea com os diversos Apps de mensagens. 

Entretanto, os mundos de fantasia medieval continuam do mesmo jeito que eram há 50 anos atrás. Os anões ainda são os reis do mundo subterrâneo, os elfos ainda são os senhores das florestas e os seres humanos continuam fazendo o que eles fazem de melhor… seja isso lá o que for. 

Mas será que você já parou para pensar como é que acontece a telecomunicação nos mundos de fantasia medieval? 

Do mundo real… 

Quando falamos de fantasia medieval baseamos nosso entendimento em duas palavras ou conceitos. O primeiro deles é a “fantasia” onde colocamos elementos que não existem no mundo real, como criaturas fantásticas, magia entre outras coisas. A outra parte da equação é o termo “medieval” onde nos inspiramos no nosso período medieval. Às vezes nem tão medieval assim porque também usamos muito dos períodos clássicos, especialmente greco-romanos, quando criamos os nossos mundos de fantasia. 

E a comunicação neste período da história era bastante precária. Primeiro porque não havia um sistema de comunicações realmente eficiente, seguro e rápido, para levar a mensagem de um lugar para o outro. E mesmo quando havia a maioria das pessoas não era alfabetizada, o que fazia da carta um implemento quase mágico aos olhos das pessoas comuns. Isso quando os sistemas de comunicação não eram exclusividade dos reis e imperadores. Embora grandes impérios da humanidade como o Persa ou Romano tivessem criados sistemas muito avançados de correio, acabava que esse sistema não era muito diferente de um cavaleiro ou um mensageiro com um malote de cartas andando de um lado para o outro. 

É sabido que os antigos faraós já tinham um serviço real de mensagens onde seus mensageiros tinham que percorrer grandes distâncias. Mesmo assim, não haviam grandes garantias de que a viagem seria segura, já que as cartas chegaram aos seus destinos. Um antigo documento datado de 2300 a.C. chega a precisar que os mensageiros da época, receando morrer durante a jornada, legavam muitas vezes seus bens aos filhos antes de empreender a viagem. Mesmo quando voltavam, não lhes restava muito tempo para passar ao lado dos seus, pois o serviço do faraó não podia sofrer atraso ou demora. Acredita-se que os persas tenham sido os primeiros a recorrer aos cavaleiros para a transmissão de notícias. A música The Loneliness Of The Long Distance Runner, da banda britânica Iron Maiden, relata exatamente a solidão desse mensageiro. 

É atribuído a Ciro II, rei da Pérsia, o nascimento de um sistema postal que se assemelha e muito com o sistema de telecomunicações que usamos hoje. Ele pretendia manter contato regular com os governadores das províncias, e para isso calculou as distâncias diárias que cada cavaleiro devia percorrer. Mandou construir postos de descanso com diferença de um dia de viagem entre um e outro; assim, quando um mensageiro chegava a um desses postos com uma encomenda urgente, era imediatamente substituído por um colega. 

Este serviço era mantido mesmo durante a noite. Para tanto, necessitava-se principalmente de boas estradas. Um percurso militar de 2.500 quilômetros de extensão, entre o Mediterrâneo e o Golfo Pérsico, ligava Sardes, a cidade residencial do rei, à Susa, capital. Esta estrada mantinha três paradas. Uma caravana precisaria de 90 a 100 dias para cobrir esta distância, mas os correios do rei levavam apenas de 8 a 10 dias. 

Assim percebemos que a manutenção constante das estradas foi crucial para que se mantivesse uma boa comunicação. 

Com o império romano não foi diferente. Além da comunicação era necessário se manter as leis e as ordens, e para isso os romanos mantinham ao longo do seu território postos avançados do exército e muitos acampamentos militares. As presenças militares nesses locais faziam com que Roma marcasse aqueles espaços, transmitindo suas mensagens e encomendas e garantindo as suas leis. 

A extensão do Império Romano exigiu a organização da transmissão de notícias e sua permanente adaptação. O “cursus publicus”, que era o correio romano, servia, antes de tudo, às necessidades dos poderes públicos. Foram construídas estações fixas, a intervalos regulares, onde se revezavam os mensageiros a pé e onde os cavaleiros podiam encontrar novas montarias.

Na melhor das hipóteses, um mensageiro percorria, por dia, 70 quilômetros a pé ou 200 quilômetros a cavalo. De uma maneira geral, ficava mais fácil acomodar-se a uma certa demora do que recorrer a mensageiros “expressos”.

Com o fim do Império Romano e o surgimento do período medieval houve um recrudescimento no conhecimento da humanidade. A capacidade de ler e escrever ficou restrita a uns poucos monges, encastelados em seus Mosteiros. A grande maioria dos Nobres eram absolutamente analfabetos, o que não ficava muito longe de seus súditos. Com pouco comércio e feudos quase auto-suficientes o período medieval viu as cartas diminuirem até quase serem inexistentes. Mesmo que uma pessoa fosse capaz de escrever uma mensagem, provavelmente o destinatário dela não saberia ler o que estava escrito na carta. As mensagens, então, seriam frequentemente comunicações orais, cuidadosamente memorizadas pelo mensageiro. Qualquer pessoa que já jogou “telefone sem fio” na infância sabe que não é nada fácil ouvir e memorizar corretamente uma mensagem oral. 

Ainda assim, o envio de uma mensagem oral significava que havia pelo menos uma outra pessoa a par da comunicação, então o remetente teria que considerar as ramificações de compartilhar segredos com terceiros. Quando você considera pequenas mensagens (como lembretes para comprar um determinado pedaço de tecido), isso pode não parecer tão ruim; entretanto, mensagens de maior importância exigiriam maior discrição.

Seja por meio oral ou por mensagem escrita, ainda restava o problema de como a mensagem ia chegar ao destinatário. O período medieval não é famoso por estradas bem conservadas ou pela rica comunicação entre seus feudos. Se a mensagem não fosse urgente podia-se simplesmente pedir um favor a um mercador que estava indo naquela direção ou se fosse o caso da urgência, cavaleiros ou mensageiros especializados para este fim. 

Nesse período popularizou-se o uso do Twitter medieval: o sistema de pombos correios. Essa teria sido uma maneira inegavelmente rápida de enviar uma mensagem, embora falcões e arqueiros treinados tornassem isso um negócio complicado.

Para o mundo da fantasia medieval. 

Mundos de fantasia medieval são apenas inspirados em suas contrapartes do mundo real. Só que é tudo bem mais limpinho e organizado. Suas diferenças fazem com que algumas situações sejam muito fáceis de resolver enquanto que outros problemas continuam solapando os cenários. 

Cenários clássicos como o mundo do Senhor dos Anéis tem formas de comunicação a longa distância: o Palantir e as Torres de Gondor, além de contar com pássaros-mensageiros. Mas na maioria dos casos, mandar mensagens envolve colocar alguém para fazer o trabalho pesado, seja a pé ou montado num cavalo. Não dá para esquecer dos mensageiros no jogo The elder scrolls: Skyrim, que se aproximam correndo até você dizendo: “Estive procurando por você. Tenho algo que devo entregar – apenas em suas mãos”. 

Em certos cenários, como é o caso de Tormenta20, a grande maioria das pessoas é alfabetizada graças aos diversos templos da deusa do conhecimento, que se espalham por todo o território de Arton. Então o problema não é mandar uma mensagem e sim como essa mensagem vai chegar ao seu destinatário. 

Até onde eu conheço a maioria dos cenários de fantasia medieval não faz uma boa explicação de como funciona o sistema de troca mensagens, se é que existe. 

O mais provável é que cada cenário cuide do seu próprio sistema de envio de mensagens.  E isso pode envolver pedir um favor para o mercador que está indo naquela direção, contratar um sistema especializado de mensageiros ou mesmo utilizar-se de sistemas mágicos para tal. Dependendo da complexidade ou do segredo da mensagem, a melhor maneira de se fazer a transmissão é indo pessoalmente falar com a pessoa interessada. 

Sendo assim, a primeira coisa que a gente pensa nos mundos de fantasia medieval é que as notícias viajam muito lentamente. Reinos podem cair, desastres terríveis podem acontecer e as pessoas do resto do mundo simplesmente não ficarem sabendo em tempo hábil. Num cenário como esse a frase do filósofo Francis Bacon se torna ainda mais incrível:  “saber é poder”. Quem controla como as informações circulam nos mundos de fantasia medieval tem muito mais poder do que aquele monarca que tem seus cofres recheados de ouro.  

Da cidade de Valkária até a vizinha Zakarin são pouco mais de 400 km em linha reta. Mas eu duvido que existam estradas em linha reta de um ponto a outro. Um cavaleiro que viaja cerca 70 km por dia levaria quase uma semana para transpor a distância entre as duas capitais. E todo mundo que já jogou RPG sabe o que pode acontecer numa viagem de um dia e meio, quanto mais de quase uma semana! Pessoas mais ricas podem se dar ao luxo de contratar mensageiros alados. Um cavaleiro montado num grifo – e com bastante pressa – poderia fazer a mesma viagem em pouco mais de oito horas. Se a questão é pressa mesmo, um pergaminho da magia teletransporte pode fazer a viagem num piscar de olhos – custando igualmente os olhos da cara. Um pergaminho como esse custa pelo menos 400 tibares de ouro e tem um efeito de no máximo 1000 km – fora outras limitações típicas da magia. 

É possível que reinos mais avançados tenham um sistema de comunicação melhor, uma vez que suas estradas também são mais avançadas. Como o reino de Tapista foi baseado no antigo império romano, é de se pensar que eles tenham um sistema de comunicação bastante eficiente. O que é bastante diferente dos reinos que compõem a União Púrpura, por exemplo. O que impede que as tribos que habitam as Montanhas Sanguinárias usem sinais de fumaça para mensagens de longa distância? 

Uma pequena solução que uso nas minhas mesas são os pombos-correios mágicos. O pombo correio sai de onde ele está e viaja até o seu destinatário, mas só vai transmitir a mensagem ao destinatário depois que o mesmo disser uma palavra código previamente combinada. 

A sinalização baseada em cornetas é comum para comunicação no campo de batalha. Algumas cidades e fortalezas têm, na verdade, suas cornetas e berrantes, que podem permitir a comunicação codificada básica dentro do seu alcance. Isso depende de muitos fatores, então alguns lugares têm vários sistemas para ajudar a transportar o som, aumentando a eficiência.

Há de se pensar em outras coisas além da confiabilidade do sistema de entregas de mensagem. Quanto mais mensageiros ela tiver, mais chances ela terá de ser violada. Isso não chega a ser um problema quando a carta é um convite para o aniversário de alguém, mas quando são questões de estado, as coisas mudam de figura. 

A thousand points of light

Desde a quarta Edição do RPG Dungeons and Dragons que a maioria dos RPGs de fantasia medieval se utilizam de um conceito chamado o “Points of Light” ou pontos de luz. Estes cenários são propositadamente incompletos, deixando muitas lacunas a serem preenchidas pelos jogadores e narradores, podendo criar ou mesmo importar material de outros jogos para as suas mesas. A ideia dos pontos de luz é que o cenário seja uma grande massa escura e desconhecida e que apenas alguns pontos principais como cidades ou locais de interesse estejam iluminados e conhecidos. 

Essa escuridão a que se refere o termo é o que assusta, o que causa perigo Não é o medo do desconhecido e sim o que tem no desconhecido. 

Do jeito que está o mundo de Arton, retratado tão somente no seu livro de Tormenta20, parece que o estilo descrito do D&D 4e veio para ficar. O mapa que acompanha o livro traz poucas informações sobre cidades e locais. Cabe ao narrador povoar boa parte dos “espaços vazios” do cenário. 

Quando a primeira expedição deu a volta ao mundo, o mundo deixou de ser um “mundão sem fronteira” para ser simplesmente o mundo. Com a comunicação é a mesma coisa. Por isso, muitas vezes, a aventura já está sem simplesmente sair de onde você está para ir para outra cidade. A sua vida pode mudar para sempre com uma ida à padaria… o que dizer de uma viagem de centenas de quilômetros e de vários dias?

E quanto custa mandar isso aí? 

A meu ver você tem duas opções. Manter as coisas simples ou partir para alguma coisa com mais verossimilhança. Se quer manter as coisas mais simples, basta olhar no Player’s handbook de Dungeons and Dragons 5a. edição, edição norte americana. Lá está listado na sua página 159 que “a messenger costs only 2cp per mile”, ou em bom português que “um mensageiro custa apenas 2 peças de cobre por milha”. Uma milha tem a medida de aproximada de 1,6 km, então podemos arredondar que cada 1,5 km percorrido pelo mensageiro vai custar 1 peça de cobre. 

A maioria dos cenários bebe desta mesma fonte, então podemos dizer, com pouca margem de erro, que um mensageiro cobra 1 peça de cobre para cada 1,5 km percorrido. 

Imagine uma mensagem simples, como uma carta, que sai de Valkária, em Deheon até Tiberus, em Tapista. Pouco mais de 1500 km, margeando as montanhas uivantes, passando pelos reinos de Ahlen, Tolon, Lomatubar, Fortuna, Petrynia, para finalmente chegar em Tiberus. Seu custo seria de mil tibares de cobre, ou 100 tibares de prata, ou ainda 10 tibares de ouro. Levando em conta que o mensageiro está fazendo cerca de 70 km por dia, ele levaria 22 dias – na melhor das hipóteses. Comparativamente, uma estalagem comum custa 5 tibares de cobre (ou meio tibar de prata por noite). Ou seja, mandar mensagens não parece ser assim tão caro, não é mesmo? Verdade, se você encontrar alguém desesperado o bastante para fazer essa viagem por tão pouco dinheiro!

Por isso, muito raramente os mensageiros vão fazer apenas uma entrega. Eles podem pegar várias encomendas e mensagens para entregar pelo caminho. Até um limite de peso confortável, claro.  

Agora, se você quiser usar um pouco mais de verossimilhança vai ter que pensar muitas coisas a mais para fazer um preço realmente justo para a carta chegar ao seu destinatário. Um mensageiro tem que arcar com os custos de viagem: comida e bebida para toda a jornada. Se for montado ou numa carroça tem de arcar com os custos da carroça ou dos animais que o levarão. Precisará, talvez, de um ajudante ou guarda costas que também deverá ser pago, enfim… Quanto mais perigosa for a rota de viagem, mais caro será o envio da carta e menos garantia você terá de que a carta vai ser entregue. 

Pegando a hipotética viagem de Valkária a Tiberus, o nosso mensageiro já deve ter uma rota estabelecida. Ele já deve conhecer as estradas, atalhos e rotas alternativas. Ele sabe que deve redobrar os cuidados com os trapaceiros de Ahlen, e que provavelmente a rota mais segura é seguir margeando os rios de Thartaan até Vallahim. De lá, cruzar a região montanhosa de Korikondir em direção a Lomatubar, tendo muito cuidado com a praga de coral e seus afligidos. Com um pouco de sorte ele vai seguir a estrada que leva de Karitania até Luvian, torcendo para cruzar Fortuna em menos de cinco dias. De lá ele tem duas opções: descer todo o caminho até Fauchard, ao sul (um desvio de quase 400 km), margeando a zona costeira pelas cidades de Mapletrin, Curanmir, Trandia, Kamalla, Altrim, e de lá seguir para Tiberus. A segunda opção, bem mais perigosa, é cruzar o vale dos observadores, passando pelas três cachoeiras, em direção ao templo de Litz e de lá dando a última esticada até Tiberius. 

Independente dos custos, das preocupações a mais vai ser, sem sombra de dúvidas, uma grande aventura.