Impressões de um ano de campanha.

Bom pessoal, tudo bem com vocês? Eu resolvi ressuscitar esse blog ou, pelo menos dar uma pequena sobrevida para ele, porque eu gostaria de compartilhar com vocês as minhas impressões de narrar para o mesmo grupo de jogadores aproximadamente 1 ano e 2 meses.

A ideia começou por volta de março do ano passado quando o Distrito Federal entrou em Lockdown Severo.  Eram os primeiros meses da pandemia do coronavírus em sabia muito bem o que é que estava enfrentando. E se você me perguntar, eu acho que até agora a gente não tem muita ideia do que que a gente tá enfrentando não. 

Dada a impossibilidade de manter os meus jogos regulares, com um grupo aqui em casa passamos a jogar online. 

Nesse período inicial eu tive dois grupos: um que rolava aos sábados, de dungeons and dragons 5ª edição, e outro que rolava aos domingos com o tormenta 20. 

Como eu não tenho papas na língua eu não tenho nenhuma vergonha de dizer que o grupo dos Domingos me divertia muito mais do que o grupo de sábado. Então pouco tempo depois de manter os dois grupos eu resolvi fechar a mesa de sábado e continuei apenas com a mesa de domingo. Essa foi a primeira lição que menstrar na pandemia me ensinou: às vezes é melhor dedicar seus esforços como narrador em apenas uma mesa de muita qualidade do que dividir esses mesmos recursos em várias mesas não tão boas. 

Começamos com os personagens de primeiríssimo nível, todos eles criados com a minha ajuda para que eles ficassem equilibrados e não apenas máquinas de causar dano. As primeiras aventuras foram muito divertidas e, não raro, tivemos aventuras completas onde não se rolou um único dado de combate. 

Graças a intrincada história dos jogadores podemos criar uma mitologia própria, avançando dentro do lore cenário. Viajamos por vários reinos e cidades, vencemos desafios e coisas do gênero e até mesmo resolvemos alguns mistérios que pareciam insondáveis. 

Com o passar do tempo, os meus jogadores resolveram se apropriar dos meios de construção da ficha e perceberam que eles mesmos poderiam otimizar seus personagens da maneira que lhes fosse mais conveniente. 

Eles passaram a escolher as magias, os poderes e especialmente a ficar mais à vontade na pele daqueles personagens que eles mesmos tinham criado. 

Muitas vezes nós discutimos fora do jogo qual seria a melhor maneira de desenvolver não apenas o personagem mas se especialmente a sua história. Neste ponto e jogadores confiaram muito em mim e boa parte dos meus jogadores não era simplesmente aqueles órfãos tão comuns em mesas de jogos que não tinham nenhum parente vivo. 

Essa foi a segunda lição que eu aprendi: a condução do jogo me permite controlar aspectos muito diversos na mesa. Como os parentes dos personagens jogadores. Dessa forma eu tive que honrar a confiança que eles me deram para que seus parentes não fossem apenas uma fonte perpétua de preocupações e aborrecimentos. Pelo menos na minha mesa parentes e amigos do passado são mais do que simples fontes de Aventura. Eles são parte indelével tanto da história dos jogadores quanto da história do grupo. 

Infelizmente, ao longo de um ano e dois meses de jogo, alguns jogadores tiveram que nos deixar. Foi o caso da nossa druida lefou que teve de partir mais cedo por conta de problemas familiares. Problemas esses que também tiraram da nossa mesa precocemente valoroso goblin samurai. Essas faltas na mesa abrir um espaço para mais dois jogadores: uma barda medusa e uma goblin caçadora. 

A própria ausência desses jogadores me fez aprender outra valiosa lição: não posso simplesmente fingir que o personagem da Nayara nunca existiu. Então eu acabei desenvolvendo saídas nativas para a aposentadoria precoce desses personagens: a druida saiu em missão divina enquanto que o samurai teve que retornar as pressas para seu país de origem.  Essa foi a terceira lição que eu aprendi: tanto personagens dos jogadores quanto os npcs precisam de uma saída coerente. Isso faz com que todos na mesa se preocupem com o que que aconteceu com aquele nosso contato na cidade de Valkaria? 

Com o domínio das regras do jogo pelos jogadores surgiu a necessidade que eles tinham de otimizar mais ainda seus personagens. Muitos deles chegaram para mim e perguntaram se poderiam redistribuir seus pontos, seus poderes, suas experiências… num primeiro momento eu fiquei seriamente tentado a dizer não. Quer dizer simplesmente dizer não e seguir viagem. Afinal de contas, quando eu comecei a jogar, lá em 1989, os elfos não eram uma raça e sim uma classe de personagem juntamente com os anões e os halflings. 

Mas, de volta aquela confiança estabelecida entre o narrador e os jogadores eu percebi que as mudanças que os jogadores queriam fazer não eram apenas mudanças mecânicas para causar mais dano e sim mudanças que refletiam as escolhas deles de um ponto de vista mais maduro. Desta maneira baseado na confiança eu permite que os meus jogadores fizessem redefinições e redistribuição de pontos em suas fichas. 

Outra lição aprendida: uma vez estabelecida a confiança entre narrador e jogador mudanças que de outra forma não seriam possíveis passam a ser elementos quase que necessários para o bom andamento do jogo. 

A próxima missão veio a partir do desenvolvimento das ações dos personagens no cenário. Num primeiro momento eu tentei me ater ao cânone do cenário sem fazer grandes alterações. Até mesmo estava seguindo a linha do tempo para fazer as aventuras e tudo mais quando eu percebi que o cenário, vazio do jeito que ele é não me agradava nada. Uma questão simples de logística e tempo ela pode esperar até que um belo dia os autores resolver sem desenvolver aquela área do mundo então eu fiz o que qualquer pessoa sensata faria no meu lugar: mandaria o cânone do cenário para a puta que pariu e tocaria as coisas daquele jeito para mim e para os meus jogadores. 

Isso aconteceu em mais de uma ocasião onde eu precisava de uma cidade onde não existia ou eu precisava de informações que não existiam sobre uma cidade que existia no mapa. O desenvolvimento foi tão grande em certas áreas que mesmo que os autores sol tem alguma coisa oficial a respeito daquele lugar e continuar usando aquilo que eu e os meus jogadores criamos juntos. 

Outro ponto a ser abordado é que com o passar dos níveis os desafios vão se mantendo constantes e a chance de morrer vai ficando cada vez maior. Dessa maneira eu atentei bastante para o que os personagens queriam no começo da campanha. Uma delas, a feiticeira Zaira queria se livrar do antigo noivo e viver uma vida divertida. O problema é que o antigo noivo dela era um dragão negro muito poderoso e com uma teia de influências que se espalharam por todos os reinos. Foi preciso um ano e dois meses de história, 14 níveis de personagem para que o grupo pudesse finalmente dar fim ao terrível dragão negro num combate épico. Com isso a personagem pode voltar para sua terra de origem, uma cidade grande no meio do deserto da perdição e lá descobriu que não tinha mais motivos para viver aventuras. Eu e a jogadora, de comum acordo, resolvemos aposentar a feiticeira Zaira. Ela passa a ser agora um NPC como tantos outros que já cruzaram o caminho do grupo. Eu acredito que esta seja uma saída muito mais digna do que continuar avançando com o personagem sem que ele tenha realmente um motivo para estar lá. Imagina depois de salvar o mundo uma centena de vezes você morre para um combate aleatório qualquer porque teve algumas rolagens de dados mal sucedidas…