O cristal de ferro
Pallin
Palin suspirou depois de subir por outra colina coberta de grama baixa e lisa. Tinha sido assim nos últimos dois dias. Cercado por um “oceano infindável e enfadonho” de grama verde. Grama por todos os lados. Em todas as direções. Estendendo-se por quilômetros até perder de vista. A única coisa que não era verde na paisagem era o céu. Azul e salpicado de nuvens brancas como manchas de tinta branca num tecido escuro. Seu escudo pesava nas suas costas e sua espada ansiava por ação. Coisa que ele não via fazia bastante tempo. E ele era bom. O melhor Glaive que o 13º batalhão já tinha produzido. Mesmo assim, os últimos dias de sua vida mercenária não pareciam assim tão bons ou promissores.
Procurou recapitular os últimos eventos. Era mais interessante do que contar passos – que aliás, já tinha perdido a conta do número de vezes que perdeu a conta. Ele e Jess (uma Nano jeitosinha, mas um pouco esquisita na opinião de Palin) tinham firmado parceria como um grupo mercenário. Engraçado… um grupo mercenário de dois. “Mercenário não…” a voz da nano ecoou na sua cabeça como uma constante lembrança. “Somos exploradores”. Pois é… a parceria tinha dado um par missões que mal tinham se pagado. Conseguira meia dúzia de cyphers, todos vendidos a preço de banana-yuca no mercado, mas nenhum artefato. Nada de útil. As coisas estavam indo para mais uma semana de sopa rala e de enquadradar a bunda no “bar do prospector” (uma espelunca onde Jess achava que fechariam um grande negócio mais cedo ou mais tarde) quando aquele Jack entrou no bar.
Na hora Palin achou que o cara fosse encrenca. Era jovem pra burro – não deveria ter nem 20 anos completos – e tirando os googles que carregava no alto do boné laranja não tinha nada de especial nele. Maru (o nome do tal Jack) passou por três mesas antes de chegar na mesa de Jess. A conversa foi rápida. O cara era persuasivo. Tinha comprado uma dica de um lugar perdido no mar de grama, mas precisava de um Nano e um Glaive para chegar até lá em segurança, e é claro, sair de lá vivo e com o que queria. O pagamento seria por conta do serviço: o que conseguissem resgatar seria dos dois ajudantes, exceto um cristal vermelho, do tamanho de um punho fechado. O cristal deveria ser manipulado apenas por ele. Ele fez questão de frisar isso. Algum tipo de herança.
Parecia tudo certo. Exceto pelo fato de que ninguém consegue explorar o mar de grama. Existe uma trilha segura, composta por postes distantes 9 metros um do outro. Sair desta estrada era pedir para se perder. Nenhum aventureiro, explorador, ou seja lá o que for, se afastou da estrada para voltar. Bússolas e mapas são inúteis e modos de navegação seguindo o céu parecem não funcionar também. A grama arrancada, queimada ou derretida com ácido crescia em questão de horas. Era quase impossível edificar alguma coisa naquele inferno verde. Apesar disso o Jack tinha um trunfo nas mãos – ou melhor no pescoço: um colar com um fragmento de cristal vermelho que segundo ele, indicava a direção de onde queriam ir. Tomara que fosse verdade.
Palin estava tão absorto em seus pensamentos que não percebeu quando Jess e Maru pararam no alto da colina de grama. Ele esbarrou desajeitadamente na Nano, quase a derrubando.
-Ei, olha por onde anda grandão! – reclamou Jess, arrumando a mochila nas costas.
– Por que paramos? – disse ele recolocando o elmo de couro de firabug na cabeça.
– Chegamos – falou solenemente o Jack.
Lá em baixo, na base da colina começava uma calçada de peças metálicas finamente encaixadas. Logo depois da calçada poderiam ver o que parecia um tipo de habitação. Era um prédio metálico, no formato de um cilindro inclinado em relação ao solo. Deveria ter uns dez a quinze metros de altura e sua largura passava fácil dos vinte metros.
Jess
Jess tinha descido a colina correndo como um aluno de magia que é liberado mais cedo das aulas de conhecimento hermético. Ra como se estivesse apostando uma corrida, sei lá. Depois de dois dias marchando na grama, ouvindo os resmungos de Pallin e a conversa fiada de Maru, correr parecia libertador. Mas quando chegou na base da estrutura ela se recriminou por suas ações. Tinha corrido feito uma amadora de primeira exploração: e se houvessem armadilhas em volta da estrutura? Sentinelas escondidos? “Pela coroa da papisa de âmbar!” pensou ela! Bastava um campo de força para que ela tivesse virado churrasco de mochyn. Ela se recompôs da melhor forma que pode e passou a olhar os dois companheiros de viagem. Ela parou poucos metros antes do Jack, o falante Maru. O garoto praticamente não parava de falar desde que se conheceram. Parecia que nunca tinha tido muito tempo com uma mulher. Não que Jess tivesse mais experiência do que ele: seu único amor na vida tinha sido uma prima mais velha que deixou a escola de magias antes dela.
– Está na hora. Faça a sua mágica. – disse Maru passando para Jess o amuleto.
Ela o pegou nas mãos e tentou se conectar com ele. Ela suspeitava que o amuleto era algum tipo de mecanismo de localização, mas também uma chave. Algo como uma mistura de localizador GPS e abridor de portão por controle remoto. Ela lançou uma magia de scan sobre o cristal, tentando compreender melhor seu funcionamento. Quem sabe a nuvem invisível de nano-robos que a seguia desde os três anos de idade pudesse localizar alguma dica útil de como abrir a porta, desativar alguma defesa escondida, ou pelo menos não fazer com que ela parecesse uma idiota completa na frente do empregador e do parceiro.
No primeiro momento a leitura não revelou nada. Os minutos foram passando e Jess começava a suar pelo esforço quando finalmente começou a ler as linhas que queria. Na frente de seus olhos uma seqüência interminável de um-zero-um e uns terminou com a informação que ela buscava.
Ela limpou o suor do rosto e anunciou a sua descoberta: a entrada da estrutura ficava no lado esquerdo, no lado da inclinação. Ela gesticulou com o cristal, desenhando letras esquecidas e invisíveis no ar e apontou para a estrutura. Logo, a silhueta de uma rampa começou a surgir. A rampa deslizou até tocar a grama. O Jack se apressou para entrar pela porta aberta. Mas mesmo com a porta aberta a torrente de números continuava fluindo e dessa vez dando um aviso que Jess conhecia bem: 01100100 01100001 01101110 01100111 01100101 01110010… danger.
Ela tentou limpar a mente e encheu os pulmões de ar para gritar que o Jack estava em perigo, mas foi tarde demais. Uma rajada de energia vermelha jorrou da parte de cima da rampa, queimando a grama na frente do rapaz. Um tiro de aviso ou o guardião havia errado mesmo? No alto da rampa algum antigo guardião, feito de metal e cristais se preparava para outra rajada.
Maru
Maru observou o guardião por um segundo. Estava atônito. Era um robô sintex, feito de um material que imitava o metal. Mas aquele modelo ele nunca tinha visto. Os cristais emergiam de todo o seu corpo em grupos irregulares e não uniformes. A maior concentração ela com certeza no braço esquerdo. Foi de lá que surgiu a rajada de energia. A segunda rajada voou perigosamente na sua direção, sendo interceptada pelo escudo de Pallin.
– Mexa-se jack, faça alguma coisa! – grito Pallin enquanto tentava apagar o fogo do escudo.
Antes que Maru pudesse agir uma rajada de energia verde atingiu a sentinela em cheio. A nano corria pela esquerda para obter uma vantagem no ataque pelo flanco, suas mãos ainda brilhando pela energia residual do primeiro disparo.
Maru sacou um bastão de metal da sua cintura e com uma passada de mão energizou o mesmo que passou a crepitar, cheio de energia elétrica. Ele correu em direção á sentinela golpeando-a na lateral, perto do braço, despejando toda a energia acumulada numa pequena explosão de faíscas e brilho. Por um momento pensou que seu ataque não surtira efeito, mas ao perceber o robô com movimentos mais lentos deixou um sorriso de satisfação pousar em seu rosto.
Sorriso que durou pouco. A cor da pele do sentinela mudou, juntamente coma sua textura. Agora imitava algo como a borracha. Havia se adaptado ao ataque elétrico. Uma segunda carga não faria efeito. Pallin atacou novamente com uma seqüência rápida e furiosa com sua espada, mas dessa vez portada com ambas as mãos. Os golpes, apesar de fortes e de produzirem um som abafado na medida em que a lâmina rasgava a pele sintética do robô, não pareciam causar muito efeito. O robô girou o braço golpeando o glaive com força, fazendo-o voar para trás, deslizando pela grama lisa e verde.
Usando o cristal para amplificar seus poderes a nano disparou uma segunda rajada. A nova rajada, de cor verde e salpicada de vermelho atingiu o guardião em cheio, voltando a sua pele à condição original. Era o que Maru queria. Energizou o bastão mais uma vez e golpeou novamente. Dessa vez alguma coisa queimou dentro do robô sentinela e ele parou numa pose estranha, uma deslocada estátua de ferro cristalizado fumegante.
– A porta está aberta. – disse confiante o Jack – vamos ver o que tem lá dentro e voltar para casa!