Quando eu estava na sétima série, tive, por poucas semanas, uma excelente professora de literatura. Seu nome se perdeu junto com meus cadernos de época e a virgindade de algumas colegas minhas. Mas fato é que a mulher era fantástica. E uma de suas frases mais bacanas eu retrato abaixo com tanta fidedignidade quanto eu puder:
“Imaginem que vão alugar um filme na locadora e lêem a seguinte sinopse: Peter, um cara sem sorte ganha como prêmio num concurso uma viagem para um grande Resort na África. No caminho, seu pequeno avião cai no meio da floresta e ele tem de sobreviver aos perigos da selva, nativos canibais, caçadores clandestinos, animais selvagens até conseguir voltar à civilização. Em que categoria vocês encontram esse filme? Aventura, certo?”
Não teve como não concordar. Do modo que ela falava já dava para imaginar o Richard Chamberlain no papel do tal Peter e a até mesmo a trilha sonora. Lembro que não demorou mais que três segundos para que toda a turma concordasse com o argumento da professora. Só poderia ser um filme de aventura e daqueles bem bacanas. Errado. Eis que minha educadora sem nome corrigiu nossa percepção. “Imaginem que estão no Lugar do Peter. Vocês saem de férias e acabam tendo de lutar pela própria vida, num ambiente perigoso e hostil. Não é aventura, é um drama”.
Não posso dizer o quanto essa argumentação mudou a minha vida. Até aquele momento eu pensava que drama fossem apenas aqueles filmes chatos que a minha mãe alugava de tempos em tempos, quase sem ação, com um monte de gente chorando. Oh, como eu estava enganado. Aventura é quando você vai procurar por ela; drama é quando ela te encontra.
Pensando nisso, o gênero drama (quando a aventura encontra você) é um dos meus meta-gêneros particulares favoritos. A idéia é muito simples: um grupo de pessoas comuns tendo de lidar – muitas vezes sem meios para fazer isso – com situações mortais, completamente fora do contexto de suas vidas. Exemplos reais de filmes assim não deixam de aparecer nunca, como é o caso de “seis dias, sete noites”, o “o cubo”, ou até mesmo “agente secreto por acaso”.
E como meta-gênero dentro do universo do RPG é também um dos meus favoritos. Já devo ter mestrado mais de 40 aventuras neste sentido. Todas com o mesmo mote e dezenas de variações: um grupo de gente comum envolvido com uma aventura muito maior e perigosa.
A primeira aventura que eu mestrei faz parte do subgrupo das crianças encrencadas. É um moto comum em livros e filmes como Resgate no tempo, a Serra dos Dois Meninos, A Grande Fuga, a Ilha Perdida e tantos outros livros bacanas que eu li quando estava entre a 5ª e a 8ª série. Um grupo de crianças ou adolescentes este de férias quando se vê envolvida por uma grande aventura. A primeira aventura foi uma adaptação para uma aventura que saiu na finada Dragão Brasil sobre um grupo de meninos que enfrentava perigos místicos. Ao invés de enfrentar perigos místicos eles lidavam contra caçadores ilegais, numa corrida de vida e morte pela selva amazônica para chegar até as autoridades.
Outro subtipo de aventura comum é o “não estávamos preparados para isso, não senhor”. Um grupo de paramilitares sai para uma missão de rotina e esbarram com alguma coisa que o treinamento não tinha sido administrado: invasão alienígena, horda de zumbis ou coisas bem piores.
Dentro destes segmentos existe uma ferramenta que eu gosto muito de usar, que é o desastre ambiental como pano de fundo. Quer dizer que o ambiente não é apenas algo para compor a cena. Ele faz parte efetiva da aventura. Se uma horda de zumbis já é ruim, imagine isso com um terremoto, ou com uma erupção vulcânica. O que já era pior acaba se tornando péssimo. Foi o mote de minha última aventura de Apocalipse Zumbi, mestrada no último RPG COM: os jogadores eram pessoas comuns que estavam em Vice City, infestada de zumbis, e tinham menos de 24 horas para deixar a ilha, que seria devastada por um míssil nuclear. Para garantir que ninguém ia ficar muito tempo parado eu arbitrei que cada hora de jogo no mundo real faria avançar 12 horas no mundo do jogo. Ou seja, se antes os jogadores poderiam conversar calmamente por 10 minutos para bolar um plano, de repente não valia a pena gasta duas horas in game para fazer a mesma coisa.
Outro subgênero que eu gosto é: a tecnologia endoidou. Imagine que você esta num transatlântico de luxo, curtindo sua viagem de teste quando o computador que controla o lugar enlouquece e começa a matar todos à bordo. Some a isso o desespero natural pela sobrevivência e o isolamento e teremos muita aventura pela frente.
O último subgênero da minha lista é o “à prova de tudo”. É o básico mesmo: você naufraga e tem de sobreviver numa ilha deserta até o socorro chegar, se é que o socorro vai chegar. Essa aventura é realmente uma das melhores: você pode mistura-la á vontade com todo o tipo de cenário. Nunca vou me esquecer quando os meus jogadores de Shadowrun, mercenários e samurais urbanos ficaram presos numa pequena ilha do pacífico, com pouca comida e água e virtualmente sem tecnologia.
Usar o recurso dramático (quando a aventura encontra o grupo) é um dos melhores recursos que o mestre pode fazer quando quer mudar um pouco as coisas. Estou tentando adaptar algumas idéias que li em mouse guard e no shotgun diaries para recriar a idéia do jogo de sobrevivência. Quem sabe eu consiga alguma coisa.
Até lá, obrigado pela visita.
Quando a aventura encontra você
Quando eu estava na sétima série, tive, por poucas semanas, uma excelente professora de literatura. Seu nome se perdeu junto com meus cadernos de época e a virgindade de algumas colegas minhas. Mas fato é que a mulher era fantástica. E uma de suas frases mais bacanas eu retrato abaixo com tanta fidedignidade quanto eu puder:
“Imaginem que vão alugar um filme na locadora e lêem a seguinte sinopse: Peter, um cara sem sorte ganha como prêmio num concurso uma viagem para um grande Resort na África. No caminho, seu pequeno avião cai no meio da floresta e ele tem de sobreviver aos perigos da selva, nativos canibais, caçadores clandestinos, animais selvagens até conseguir voltar à civilização. Em que categoria vocês encontram esse filme? Aventura, certo?”
Não teve como não concordar. Do modo que ela falava já dava para imaginar o Richard Chamberlain no papel do tal Peter e a até mesmo a trilha sonora. Lembro que não demorou mais que três segundos para que toda a turma concordasse com o argumento da professora. Só poderia ser um filme de aventura e daqueles bem bacanas. Errado. Eis que minha educadora sem nome corrigiu nossa percepção. “Imaginem que estão no Lugar do Peter. Vocês saem de férias e acabam tendo de lutar pela própria vida, num ambiente perigoso e hostil. Não é aventura, é um drama”.
Não posso dizer o quanto essa argumentação mudou a minha vida. Até aquele momento eu pensava que drama fossem apenas aqueles filmes chatos que a minha mãe alugava de tempos em tempos, quase sem ação, com um monte de gente chorando. Oh, como eu estava enganado. Aventura é quando você vai procurar por ela; drama é quando ela te encontra.
Pensando nisso, o gênero drama (quando a aventura encontra você) é um dos meus meta-gêneros particulares favoritos. A idéia é muito simples: um grupo de pessoas comuns tendo de lidar – muitas vezes sem meios para fazer isso – com situações mortais, completamente fora do contexto de suas vidas. Exemplos reais de filmes assim não deixam de aparecer nunca, como é o caso de “seis dias, sete noites”, o “o cubo”, ou até mesmo “agente secreto por acaso”.
E como meta-gênero dentro do universo do RPG é também um dos meus favoritos. Já devo ter mestrado mais de 40 aventuras neste sentido. Todas com o mesmo mote e dezenas de variações: um grupo de gente comum envolvido com uma aventura muito maior e perigosa.
A primeira aventura que eu mestrei faz parte do subgrupo das crianças encrencadas. É um moto comum em livros e filmes como Resgate no tempo, a Serra dos Dois Meninos, A Grande Fuga, a Ilha Perdida e tantos outros livros bacanas que eu li quando estava entre a 5ª e a 8ª série. Um grupo de crianças ou adolescentes este de férias quando se vê envolvida por uma grande aventura. A primeira aventura foi uma adaptação para uma aventura que saiu na finada Dragão Brasil sobre um grupo de meninos que enfrentava perigos místicos. Ao invés de enfrentar perigos místicos eles lidavam contra caçadores ilegais, numa corrida de vida e morte pela selva amazônica para chegar até as autoridades.
Outro subtipo de aventura comum é o “não estávamos preparados para isso, não senhor”. Um grupo de paramilitares sai para uma missão de rotina e esbarram com alguma coisa que o treinamento não tinha sido administrado: invasão alienígena, horda de zumbis ou coisas bem piores.
Dentro destes segmentos existe uma ferramenta que eu gosto muito de usar, que é o desastre ambiental como pano de fundo. Quer dizer que o ambiente não é apenas algo para compor a cena. Ele faz parte efetiva da aventura. Se uma horda de zumbis já é ruim, imagine isso com um terremoto, ou com uma erupção vulcânica. O que já era pior acaba se tornando péssimo. Foi o mote de minha última aventura de Apocalipse Zumbi, mestrada no último RPG COM: os jogadores eram pessoas comuns que estavam em Vice City, infestada de zumbis, e tinham menos de 24 horas para deixar a ilha, que seria devastada por um míssil nuclear. Para garantir que ninguém ia ficar muito tempo parado eu arbitrei que cada hora de jogo no mundo real faria avançar 12 horas no mundo do jogo. Ou seja, se antes os jogadores poderiam conversar calmamente por 10 minutos para bolar um plano, de repente não valia a pena gasta duas horas in game para fazer a mesma coisa.
Outro subgênero que eu gosto é: a tecnologia endoidou. Imagine que você esta num transatlântico de luxo, curtindo sua viagem de teste quando o computador que controla o lugar enlouquece e começa a matar todos à bordo. Some a isso o desespero natural pela sobrevivência e o isolamento e teremos muita aventura pela frente.
O último subgênero da minha lista é o “à prova de tudo”. É o básico mesmo: você naufraga e tem de sobreviver numa ilha deserta até o socorro chegar, se é que o socorro vai chegar. Essa aventura é realmente uma das melhores: você pode mistura-la á vontade com todo o tipo de cenário. Nunca vou me esquecer quando os meus jogadores de Shadowrun, mercenários e samurais urbanos ficaram presos numa pequena ilha do pacífico, com pouca comida e água e virtualmente sem tecnologia.
Usar o recurso dramático (quando a aventura encontra o grupo) é um dos melhores recursos que o mestre pode fazer quando quer mudar um pouco as coisas. Estou tentando adaptar algumas idéias que li em mouse guard e no shotgun diaries para recriar a idéia do jogo de sobrevivência. Quem sabe eu consiga alguma coisa.
Até lá, obrigado pela visita.