A diferença entre o jogador e o bitolado

 

E as diferenças começam

Eu venho pensando neste artigo já faz um bom tempo. É um assunto que eu venho maturando desde que começamos a narrar as aventuras do “Inverno do Anão de Ferro”. Apesar da inspiração para ele ter surgido de inúmeras situações que vivenciamos nos jogos ele tem pouco a ver com a história em si. Na verdade, quanto mais eu penso a respeito do assunto mais eu acredito que este artigo poderia ter surgido antes.

Bom, como começar? O primeiro ponto a entender é o que é a diferença entre um jogador e um bitolado. O jogador é o cara que joga RPG. Ele interpreta o seu personagem, rola seus dados, interage com a mesa, enfim. E o bitolado? O bitolado faz sempre a mesma coisa, rodada após rodada, combate após combate, jogo após jogo.

Um jogador trabalha com conceitos. “Eu quero jogar com um guerreiro”. Isso é um conceito. “Quero jogar com um ladino que cresceu nas ruas e favelas de uma cidade grande e agora quer deixar a pobreza para trás”. Isso é um conceito. “Eu quero jogar com um membro da realeza que não aceitou o papel imposto a ela e resolveu viajar pelo mundo como aventureira e barda”. Conceito… ok, já deu para pegar a ideia.

E o bitolado? Eu quero jogar com um guerreiro que usa espada mercurial de duas mãos, com empunhadura primata e usa trespassar. Isso é ser bitolado. Você não serve para fazer mais nada no jogo a não usar a tal espada mercurial e trespassar todos os inimigos que você encontra. Da mesma forma um clérigo especializado em cura também seria um bitolado? Vejamos: ele não prega, não dá apoio espiritual, não ajuda os outros, não solta magias de apoio, não dissipa magias inimigas, não conhece história ou religião… ele apenas cura. E quando o seu grupo estiver sem ferimentos no meio do combate? O que ele vai fazer? Quando você diz para mim que seu personagem é um Iniciado do Arco que faz MUITO dano à distância tudo o que eu consigo ver nas legendas é “bitolado, bitolado, bitolado”…

 

Você está tendo um prejuízo de pelo menos 60%, Jim.

A meu ver um bom jogo de D&D pode ser dividido em três partes iguais. Cada parte representa idealmente 33,3% da aventura. São elas a aventura em si, os combates e o roleplay.

A aventura em si é tudo aquilo que representa aventura, mas não é combate. Atravessar uma dungeon desarmando ou evitando armadilhas mortais, descobrir portas secretas, resolver enigmas, seguir as pistas deixadas pelo assassino, rastrear os goblins até o seu covil. Tudo isso é a aventura. É a sensação de “andar na corda bamba” que faz as pessoas voltarem para as mesas de jogo semana após semana.

O roleplay é a interpretação em si. É impostar um pouco a voz e falar como falaria o seu personagem. Não apenas isso é também a interação e o crescimento do personagem no mundo. Espera-se que um mago de primeira viagem seja ingênuo e um pouco atrapalhado, mas não um mago de nível mais alto. Um jogador que interpreta um personagem que dá esmolas aos pobres justamente porque seu personagem já passou por isso está interpretando. Um clérigo que deixa o vilão escapar para salvar uma criança do afogamento também.

Já o combate é a cereja do bolo de um jogo como D&D. É o momento em que com a ajuda dos dados, um pouco de sorte, cooperação e estratégia os personagens dos jogadores derrotam os terríveis inimigos impostos pelo mestre do jogo.

É possível que um jogador mediano de D&D experimente as três partes do jogo de forma mais ou menos igual e intensa e divirta-se com elas. Mas o jogador bitolado? Ele se foca numa parte muito pequena desse incrível universo. Ele apenas “usa sua espada mercurial de duas mãos para trespassar os inimigos”. Ele só faz isso. Ele não faz mais nada! Ele não ataca de outras formas, ele não age de outras maneiras, sua única coisa a fazer é fazer as coisas – ou a coisa – sempre do mesmo jeito. Goblins? espada mercurial de duas mãos para trespassar. Trolls? espada mercurial de duas mãos para trespassar. Harpias? espada mercurial de duas mãos para trespassar. Coelhinho fofinho e peludo? espada mercurial de duas mãos para trespassar…

Quer dizer, ele não se diverte. Ou se diverte, do jeito dele, sei lá. Mas eu duvido muito que você possa realmente se divertir sentado numa mesa por três ou quatro horas apenas repetindo a mesma ação e rolando os mesmos dados sem tentar nada de diferente. É como um bom filme. Você deixaria de lado todo o filme dos Vingadores apenas para ficar repetindo a cena em que o Hulk dá uma sova no Loki e depois o chama de deus fracote? Ok. É divertido da primeira vez, mas lá pela centésima vez começa a ficar um pouquinho chato.

That is how a winner is done

Quer dizer que este tempo todo você estava escrevendo sobre combos? Não, de forma alguma. Não existe nada de errado em otimizar seus personagens. Ora, cada um quer jogar com alguma criação sua e se esta pessoa quer ter o máximo de efeito todas as vezes que jogar que mal há nisso? Nada. Quando eu compro um carro eu quero que o seu motor funcione todas as vezes que eu virar a chave. Por que com o meu paladino ou com o me ranger deveria ser diferente quando eu destruo o mal ou enfrento o meu inimigo predileto?

Como eu disse não existe nada de errado em se especializar desde que você também aproveite o resto do combate e as outras partes da aventura. Você deve ser mais que um mero rolador de dados, a meu ver. O seu personagem não deve ser apenas um amontoado de combos e regras de min/max. Ele deve fazer sentido. Ele deve ter personalidade. Caramba, ele deve ter pelo menos uma espada reserva, caso a bendita mercurial se perca ou um arco para atacar inimigos de longe.

Se você é uma pessoa inteligente deve estar se questionando agora sobre as classes de prestígio. Imaginemos que o jogador começa o jogo mirando numa delas. “Ah eu sou um feiticeiro em busca das origens da minha família, mas o que eu quero ser mesmo é um discípulo do dragão com garras e capaz de soltar fogo pela boca”. Ok, que dizer que não importa o que aconteça nos próximos 6 níveis de personagem, eles vão ser só uma passagem para a tão sonhada dupla “garras e bafo de fogo”? E a evolução natural do personagem, como é que fica? Suas interações com o mundo? Como é que fica o resto?

Tive um caso uma vez de um jogador que interpretava um ladino que queria pegar a classe de prestígio “Master Assassin”. O jogador montou a sua ficha para que ele fosse um candidato ideal para a próxima turma de assassinos aprendizes. E lá se foram seis níveis de personagem chafurdando no submundo em busca de pistas que o levassem a entrar em contato com o seleto grupo de matadores de aluguel. Mas quando finalmente o mestre deixou que ele entrasse em contato com o tal grupo, o jogador teve uma surpresa amarga: para se tornar um Master Assassin ele deveria emboscar e matar um dos seus companheiros de grupo, para demonstrar que ele não tinha mais “laços de amizade” com o mundo fora dos muros da sociedade dos assassinos. Lembro que o jogador ficou tão chocado com a exigência que ele não apenas recusou a generosa oferta como tornou-se membro de outro secto de assassinos (Assassin of the Dagger of Light) com o objetivo de exterminar a ordem dos assassinos “malvada”.

Outro caso que me vem a mente era de um jogador que queria jogar com um anão defensor. Ele era realmente um grande fã da classe e vivia dizendo fases “se tivéssemos um defensor do nosso lado isso não aconteceria” ou “como um defensor agiria numa situação dessas?” ele tinha até mesmo sacrificado parte dos seus poucos pontos de perícia para colocar uma perícia de outra classe, Conhecimento: História (alguém e capaz de adivinhar a especialização dessa perícia?). Quando o grupo foi confrontado com um antigo Anão Defensor Desertor o personagem foi torturado pelo NPC. Mas ao invés de ficar com raiva da classe ele aceitou que aquele anão não era realmente um “anão defensor” e sim um “anão impostor”. E tomou para si a tarefa de caçar e eliminar aquela mancha negra na longa e gloriosa história dos defensores. E foi o que ele fez, sessões mais tarde.

Ou seja, nos dois casos não foi um simples “deixa a mecânica me levar, mecânica leva eu”. Em ambos os jogadores deixaram que as escolhas mecânicas fossem apenas isso: escolhas e não o cerne dos seus personagens.

Eu costumava ser um aventureiro como você, mas um dia eu levei uma flechada no joelho…

E o que aprendemos com tudo isso? Que você não deve se focar apenas em seus min/max/combos/seja-lá-o-que-for. Que você tem que ter e ser um bom jogador que aproveita tudo que a história tem para oferecer, mesmo que para isso tenha que fazer algumas escolhas um pouco fora do pensamento normal. Aprendemos também que um bom conceito independe da classe do personagem e está muito mais relacionado com a forma que o jogador joga e interpreta do que com regras e bônus.

No final das contas o que importa é realmente se divertir.

Fotos do evento d30 – 40 anos de D&D

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Conheça os personagens dos jogadores – O inverno do anão de ferro: Bhram

Conforme a aventura vai avançando, vou colocando aqui as histórias dos personagens dos jogadores. Já falamos da Zyra, a elfa arqueira da Jéssica e hoje vamos contar a história de Bhram da Ordem da Luz, clérigo de Pelor, do jogador Hugo Castelo.

 

Bhram

 

A história de Bhram, clérigo de Pelor, é envolta em mistérios. Ele foi encontrado por clérigos e monges de um pequeno e isolado mosteiro na região do Triângulo, região fronteiriça entre o Deserto da Kaatinga, o Planalto Dracônico e San Paolo. O menino estava sem documentos e sem nenhum item de identificação, a não ser um pequeno anel, com um sinete desconhecido.

Levado ao mosteiro o jovem desde cedo demonstrou talento e vocação para os caminhos religiosos: aprendeu cedo a escrever e ler e já com pouca idade já ajudava nos cultos. Entretanto, quando completou 14 anos o mosteiro foi atacado por um grupo mercenário chamado de “Falange Rubra”. Um dos clérigos, temendo pela segurança do jovem o escondeu numa reentrância da parede e selou sua posição com uma rocha.

Enquanto ouvia os horrores do combate, Bhram acabou adormecendo. Em seu sonho ele era resgatando por um cavaleiro de armadura dourada. É neste momento que entra na sua história uma famosa clériga de Pelor: Ajora. A dama do sol, como era conhecida foi levada a região do mosteiro por meio de sonhos divinatórios e encontrou o jovem Bhram no meio dos escombros.

Ajora tomou Bhram como seu pupilo e o treinou nas artes da fé e da batalha. Certo dia ela foi convocada para uma missão especial e desapareceu da face do mundo sem deixar rastros. Embora o desejo do coração de Bhram seja encontrar sua antiga mestra ele tem outras obrigações com a ordem. Atualmente ele está num grupo de aventureiros, os quais precisam e muito do seu apoio espiritual.

Um tanto reservado e de um carisma pessoal muito grande, Bhram aceita comprazer o fardo de ser um bastião de luz e esperança para as pessoas num mundo de trevas e injustiças.

O inverno do anão de ferro – 4ª sessão.

Então, neste fim de semana tivemos mais uma aventura do arco de aventuras chamado “O inverno do anão de ferro”. Os jogadores continuaram a explorar as ruínas que estavam sendo escavadas pelos Ogros.

Esta foi uma aventura atípica. Fábio, que interpreta o mago meio elfo Drawzin, não pode vir porque estava viajando. Em seu lugar foi escalado um antigo jogador d nosso grupo, o Dilson. E olha que o Dilson jogou muito bem de mago, já que ele não errou nenhum dos ataques com magia que fez. Bem diferente de Fábio que conseguiu errar dois relâmpagos numa aranha gigante na aventura anterior. Esta não foi a única mudança. O Gabriel não pode vir e seu personagem ficou no limbo. Uma pena, já que eu montei para ele um Shifter feiticeiro 2/ladino 2 cria da tempestade. Bem, o jogador queria jogar com alguma coisa como o Gambit dos X-men e isso foi o mais próximo que pude chegar.

Logo na entrada principal da mina se depararam com duas gárgulas vigias. O combate foi feroz, mas as gárgulas não foram fortes o bastante. Logo explorara o resto da masmorra, desarmando perigosas armadilhas e libertando mais dos moradores sequestrados. Num determinado ponto encontraram uma pirâmide feita de ossos, com um grande crânio de Ogro no topo. Ela irradiava energia maligna. Os jogadores agiram com sabedoria ao optar por destruí-la.

Logo depois enfrentaram alguns Ogros num corredor apertado. Usaram essa vantagem para dar cabo dos Ogros. E enfim chegaram à câmara principal onde enfrentaram o terrível Bharindur – o Ogro mago líder do grupo de Ogros. Oogro mago manteve-se afastado atacando os jogadores com magias enquanto que os 4 Ogros restantes iam a combate corpo a corpo. Logos nos primeiros lances do combate Gahdah, a bárbara meio-orc e Zyra a elfa guerreira tombaram frente aos Ogros. Gahdah foi duramente atingida por três ataques combinados e foi ao chão, enquanto que Zyra foi afetada por uma versão demoníaca da magia “causar medo”: ela se viu enfrentando seus temores mais terríveis. Mas com a intervenção dos outros jogadores a maré começou a virar.

Vendo que ia ser derrotado o Ogro mago resolveu fugir. Primeiro lançou névoa obscurecente em si mesmo depois ficou invisível e depois fugiu voando. Mas não sem antes animar mais 4 guerreiros esqueletos que foram prontamente destruídos por Bhram.

Após destruírem os monstros os jogadores ficam sabendo que o Ogro queria uma peça de ouro maciço, que parecia a terça parte de um disco. Ele emana com uma aura mágica. A peça já tinha sido achada por Zelmina, uma das moradoras sequestradas, mas ela achou por bem manter a peça escondida e rezava todos os dias a Pelor que mandasse alguém para salvá-los.

O grupo ficou com a peça e na semana seguinte ajudou os aldeões a repararem a vila. Receberam como forma de pagamento uma barra de ouro e passagem de barco para sair rapidamente das terras dos anões em direção ao porto de Praia Distante. De lá eles poderiam buscar pistas sobre o Olho da Serpente, que fora roubado.

Logo Bhram tratou de vender a barra de ouro e por ela conseguiu 120 moedas de ouro, dividindo o dinheiro com seus companheiros. Na cidade, enquanto buscavam informações, o grupo chamou a atenção de Lavína Boren (humana nobre 2/ swashbuckler 6), a neta dos fundadores da cidade. Ela se interessou mesmo pelo paladino Orlandu, interpretado por Júlio César, e convidou o jovem a passar a noite em sua mansão. Pobre do menino! Ficou constrangido com o convite da linda ex-pirata e com muito contragosto aceitou. Mas acabou por receber com pagamento duas espadas longas antigas, feitas de Mithril.

Na próxima aventura os jogadores vão descobrir que as terras de Kamp Gross podem ser muito mais perigosas do que qualquer montanha anã.

 

Clássicos nunca morrem, apenas se reciclam (Grimtooth’s Traps)

Hoje enquanto limpava a minha estante encontrei alguns livros bem clássicos. Bom, “encontrei” é um termo bem forte uma vez que eles nunca estiveram perdidos. Eles sempre estiveram ali, no alcance dos meus longos braços, sempre à vista. Aliás, ainda estão. Fazem parte da decoração da minha estante. Ou melhor, fazem parte da minha vida como jogador e mestre de RPG.
Quero falar do Grimtooth’s Traps. Escrito por Paul Ryan O’Connor, em 1982, ele é feito para RPGs de qualquer sistema e traz as 101 mais mortais armadilhas que eu já vi. Nenhum livro de armadilhas chega nem perto do nível de crueldade, maldade e imaginação que este livro apresenta. Ele é responsável por algumas das mortes mais traumáticas que já ocorreram nas minhas mesas e motivo para que jogadores que me conhecem a muito tempo saibam que uma sala vazia pode ser muita coisa, menos uma sala vazia.
O mais interessante ao ler o livro nos dias de hoje é de ver como os autores antigamente eram muito mais inventivos e divertidos que os de hoje em dia. Sério! Não dá para ler o livro sem se deparar com tiradas irônicas e divertidas, mesmo sabendo que o objetivo da publicação é dar cabo, trucidar, matar, destruir e humilhar os personagens dos jogadores. E isso tudo sem derramar uma única linha sobre testes, sistemas e rolamento de dados. Se bem que a maioria das armadilhas nem precisa de muita coisa. São o que eu chamo de hit-kill (pegou-matou).
Descobri que o livro foi atualizado pela Flying Buffalo Inc.Eu realmente gostaria de ver como ficou.