Tormenta 20 – Uma análise superficial do que já temos em mãos

Finalmente o tormenta20 saiu. Pelo menos alguns capítulos do livro já foram liberados para os apoiadores que participaram no processo de financiamento coletivo para publicação do livro.
O livro inteiro não está disponível ainda, mas os capítulos que já foram disponibilizados são aqueles que já estão em versão final, podendo apenas ser alterado algum erro de digitação ou de gramática. Ou seja sobre estes capítulos já publicados temos literalmente o conteúdo do livro lavrado em pedra.
Sendo assim já existe o core do sistema disponível para quem foi apoiador e quiser dar uma boa olhada. Afinal de contas, tormenta20 é a resposta da Jambo editora para títulos como dungeons and dragons quinta edição e pathfinder segunda edição. E o que todos esses três livros têm em comum? Todos os três são livros que falam de fantasia medieval heróica e todos os três descendem de uma maneira ou de outra do Dungeons and dragons 3ª edição (ou 3.5 como você preferir).
Se voltarmos um pouquinho no tempo, você vai lembrar que lá no ano 2000 Wizard of the coast, que era editora do D&d na época, criou um negócio chamado OGL, ou open game license, que permitia que você criasse materiais derivados dos livros de referência do d&d 3.5. Interessante que os documentos deste OGL nunca perdem a sua validade, então, enquanto você seguir as regras da publicação, você pode utilizar o sistema contido naquele documento, fazendo as alterações que você achar necessário.
E os três livros de fantasia medieval lançados no Brasil são exatamente isso: derivações do OGL original lá do ano 2000.
Até agora a disputa pelo mercado brasileiro tinha sido entre o pathfinder e o d&d como pesos pesados que estão se adaptando aos novos tempos.
O tormenta20 chega nesta disputa com alguns diferenciais muito interessantes. O primeiro deles é a experiência de seus editores com o Mercado nacional, uma vez que a tormenta completou 20 anos no Brasil. E nesses 20 anos, o livro nunca deixou de ser publicado, passando por diversas encarnações, sistemas e edições. Então se tem uma coisa que o pessoal que está fazendo o tormenta20 sabe fazer é ouvir e agradar a maioria do seu público. É bem diferente do que acontece com o dungeons and dragons e o pathfinder.  Eles foram feitos para outro público, ou seja o público americano, que tem uma experiência de fantasia medieval muito diferente da experiência dos jogadores brasileiros. Mas isso torna o tormenta20 melhor do que os outros livros?
Necessariamente não, entretanto adiciona um tipo de conhecimento que os outros livros não têm.
O livro é muito bonito e não deixa nada a dever às edições importadas, pelo menos no quesito de diagramação e ilustração. Entretanto nem tudo são flores: apesar de trazer uma nova arte e estética para o jogo, ele ainda se utiliza de muitas ilustrações já vistas em livros e outros materiais da editora jambo. É o caso, por exemplo, das ilustrações vistas nas páginas 109, 220, 235, 239… Entre muitas outras. Para um livro que está comemorando 20 anos de cenário e com financiamento coletivo mais bem sucedido do Brasil, com quase dois milhões de reais arrecadados, eu acho que foi uma bola fora.
O livro traz uma organização muito bem diagramada e numa ordem que faz muito sentido tanto para o jogador de primeira viagem quanto para o cara que já está jogando desde só Deus sabe quando.
É possível identificar alguns caguetes e termos usados nos livros mais antigos da franquia, como pequenos Easter eggs para jogadores veteranos: é o caso da seção de NPC onde encontramos velhos conhecidos como o mentor palpiteiro ou indeciso misterioso, que são heranças do famoso Defensores de Tóquio, uma espécie de xodó de um dos autores do livro.
O livro também renomeia vários termos que são conhecidos clássicos de outros livros da OGL. É o caso de iniciativa, luta e pontaria e agora são perícias. Não reconhecer os termos? Estou falando de iniciativa, ataque corpo a corpo e ataque à distância. Habilidade de classe e talentos… tudo virou poderes.  É possível também, com as regras contidas no livro, fazer pequenas alterações para que o seu personagem se torne mais de acordo com aquilo que você quer. Não é o mesmo nível de customização que tem no pathfinder mas dá muito mais opções do que o d&d 5a. Edição.
Aliás opção é o que não falta neste livro. Desde raças até mesmo classes. Dos já famosos e arquetipicos guerreiro, mago, ladrão, passando por engenheiros, cavaleiros, bucaneiros… E de raças que são típicas do cenário como os meios gênios, os meio dríades, os goblins e os minotauros. Sem falar de modelos de personagem que foram transformados em raças, como é o caso dos esqueletos vivos e dos golens… que é claro ganharam outros nomes nessa edição, mas eu tô com preguiça de ir olhar no livro agora.
No quesito equipamento o livro faz o arroz com feijão muito bem feito, embora algumas escolhas mecânicas possam ser razoavelmente questionáveis. O dano do ataque feito à distância, com arco e flecha por exemplo, só é acrescido do seu bônus de destreza quando você tem um poder específico para isso. Dessa forma os ataques a distância se tornam menos poderosos do que os ataques corpo a corpo.
Uma das maiores e mais audaciosas alterações mecânicas, no entanto, É o abandono do sistema vanciano de magias que é utilizado nos livros de D&d desde 1974. o sistema agora se parece muito mais com os rpgs de computador moderno que temos hoje em dia onde os personagens têm uma espécie de combustível mágico, conhecido como ponto de magia, para alimentar poderes, magias e habilidades especiais. Essa simplificação evita muita dor de cabeça na hora de calcular os slots de magia que o personagem tem direito, ou algumas habilidades que são por dia ou por algum tipo de descanso.
Falando em descanso dos três livros tormenta20 é o que pega mais Severo com a questão de recuperação de pontos de vida e de pontos de magia. Enquanto que no d&d, depois de um descanso longo, você está pronto para sair na porrada com um dragão vermelho no tormento as coisas mudam de figura como uma recuperação tanto de pontos de vida como de pontos de magia muito lenta e gradual. Então, da mesma forma que o livro presenteia os jogadores com muitas opções e poderes incríveis, ele também diz que esses poderes tem seu uso limitado e você não deve queimar todas as suas habilidades apenas para transformar aquele inimigo da primeira sala da masmorra em pudim de ameixa crocante.
para um projeto dessa magnitude era esperado que os conceitos do Lore estivessem todos realmente ligados aos conceitos mecânicos do jogo. Infelizmente não é isso que acontece. Existem divindades por exemplo cuja a arma favorita é uma espada longa. Mas esta mesma divindade proíbe seus seguidores de usar armas cortantes ou de combater de qualquer maneira. Embora esse tipo de inconsistência apague um pouco o brilho do cenário, não chega a desagradar de modo total, pois é muito fácil para qualquer mestre experiente fazer as alterações necessárias para que o jogo se torne mais amigável.
Com uma base de fãs muito apaixonada, autores acessíveis, o suporte de uma revista digital, e de um fórum oficial e um sem número de comunidades e grupos ativos espalhados pelas redes sociais, tormenta20 é o tipo do jogo que você sempre vai ter com quem conversar alguma coisa ou com quem trocar ideias.
Então se você quer saber o que é jogar com o típico sabor do RPG brasileiro, tormenta20 é a escolha que você deve experimentar pelo menos uma vez na vida. Se você vai gostar ou não, é uma questão muito pessoal e vai depender – como em todos os outros jogos – da sua experiência com os outros jogadores. Duas coisas são inegáveis neste quesito. A primeira delas é que a colcha de retalhos de tormenta deixou de ser há muito tempo o termo pejorativo e passou a se tornar uma de suas maiores qualidades. A segunda é que tanto livro Como cenário são os maiores sucessos que o RPG brasileiro já produziu.

Decisões que contam

Uma das coisas que eu mais gosto de colocar em meus mundos de jogo é a noção de que as atitudes dos personagens moldam de forma direta o mundo onde eles vivem. É uma coisa que eu aprendi com o jogo Fable 2, do Xbox (saudades dessa coisinha). Lá as suas decisões têm um impacto tremendo no cenário. Ajude um guarda da cidade e no futuro a cidade será linda brilhante; não ajude e no futuro a cidade será um antro de crimes, escura e perigosa.

Na minha atual campanha, por exemplo, os jogadores impediram a ameaça de um navio fantasma, e de sua tripulação de mortos-vivos na cidade de Pontágua. Com o porto reaberto a cidade voltou a prosperar e a vida de muitos NPCs que os jogadores conhecem também mudou: a antiga clériga do templo de Aquamarine (divindade geral do mar) que era jovem e sem experiência foi trocada por um clérigo mais experiente, justamente porque o rebanho de fiéis aumentou; com o aumento de pessoas, os elfos refugiados puderam dar vazão ao vinho que produziam, melhorando sua moradia, de um acampamento de lona para uma pequena vila de casas de tijolos; com o incremento do comércio novas lojas foram abertas, como uma agência do banco de ferro e uma casa da guilda de magias.

O paladino do grupo comprou muitos inimigos…

Entretanto toda ação tem uma consequência, seja ela boa ou ruim. Quando um dos jogadores, um ladino chamado “oito”, matou o ferreiro da cidade de Pratareal para que um representante da Guilda de Ladrões assumisse o seu lugar, desencadeou uma série de fatos que colocou os clérigos e paladinos caçadores de monstros em sérios apuros. Aliás, ainda na aventura do navio fantasma, conseguiram um inimigo poderoso: um mago cujo pupilo foi morto na aventura e ele acha que os personagens o mataram à sangue frio. Quando os jogadores optaram por ajudar a cidadela orc, fizeram inimizade com o grupo de cavaleiros humanos preconceituosos chamados de “grifos de prata”.

Interessante também é deixar que as escolhas dos personagens os levem para suas aventuras e buscas. Nas primeiras aventuras os jogadores ficavam passivos esperando algum  contato deles trazer a aventura, mas de umas três ou quatro sessões para cá eles mesmos estão buscando ativamente por ação. Isso tem levado à campanha a caminhos que eu não tinha imaginado inicialmente. E isso é muito bom, porque eu também me divirto com os jogadores e suas ações.

Regra caseira: ou domina ou não usa

O problema

Uma das coisas que mais me irrita quando eu vou mestrar uma partida de RPG são os jogadores do tipo “o que é que está rolando?” São tipinhos que parece que caíram de paraquedas no meio da aventura e não sabem nada do que está acontecendo.

– Certo gente, na semana passada vocês ficaram de invadir o covil de Lorde Drakkon e recuperar as moedas do poder que tinham sido roubadas e devolvê-las para Devon e Zoe.

– Lorde Quem? Sério? E quem é Zoe? O meu personagem é o que mesmo?

Mas pior são aqueles que montam a ficha, mas não sabem o que o personagem deles pode fazer. Conjuradores que não montam suas listas de magia, eu estou olhando para vocês. Ah isso me dá uma raiva…

– Mestre eu vou usar Destruição Trovejante nesse monstro. Eu quero empurra o ogro contra a parede para causar dano extra.

– Ok. Ataque… Hummm… Você acerta. O ogro tem direito a um teste de Resistência de Força. Qual a CD do seu teste?
– Cd do teste? Peraí… É…

Por conta disso eu criei uma regra um pouco cruel, mas bem efetiva. Ela só vale para quem já está na mesa a quatro sessões ou mais, ou seja, para todo mundo que joga atualmente. Você usar seja lá a habilidade que você quiser usar, mas tem de saber como ela funciona. No mínimo tem que ter os detalhes anotados na ficha. Se você não responder na hora ou não tiver os detalhes na ficha a habilidade/magia/seja lá o que for é perdida e a ação falha, AUTOMATICAMENTE, sem choro e nem vela.

– Mestre, eu vou entrar em fúria com o meu Draconato e pular no meio dos goblins!

– Ok, quanto aumenta a sua força quando você está em fúria?

– Eu não sei… peraí… é…

– Sua ação falha e você perde um dos seus usos de fúria por hoje. Faz um teste de Atletismo para ver se você não se esborracha no chão, no meio dos goblins sedentos por sangue…

A solução: Cruel, efetiva e respeitadora

Você que está lendo isso pode estar revoltado com a minha falta de tato com os jogadores. Você pode estar pensando que eu sou um mal mestre, que não respeito os meus players e coisas assim. Quero lembrar que ninguém é obrigado a concordar comigo ou ficar na minha mesa de jogo. Fica quem quer e concorda quem tem juízo.

Mas o meu ponto é que um jogador que não domina sua ficha, não sabe o que está acontecendo ou não sabe o que o personagem dele pode fazer está desrespeitando os outros jogadores, fazendo com que as pessoas percam seu tempo enquanto tentam explicar para você o que está havendo ou enquanto você procura como determina a CD do teste de resistência que o ogro tem que fazer quando você o acerta com a magia de destruição trovejante.

Quando você não prepara e atualiza sua ficha, não prepara suas magias com antecedência, não sabe o que está acontecendo ou não tem a menor ideia do que o seu personagem pode fazer, você está desrespeitando os outros colegas da mesa e desfavorecendo a diversão e o tempo deles, em detrimento ao seu próprio. Você está dizendo que não se importa com eles e que o SEU tempo vale mais que o tempo deles. Enfim, não é charmoso e nem mesmo um traço de personalidade forte não preparar sua lista de magias ou não saber quem porra são Zoe e o Devon no meio de uma aventura que começou no primeiro nível e já vai chegando no sétimo.