Os novos heróis do Olimpo – Capítulo 8

Aulas aos sábados deveriam ser proibidas

Eric estava na frente da UnB, campus Gama. O prédio ficava realmente em frente da DF-480, como Oliver havia mencionado na noite anterior. Uma pista movimentada. Não foi difícil chegar lá. A moto emprestada da Giges Segurança fez todo o trabalho. E lá estava ele, o sol de sábado brilhando no céu sem nuvens do DF, olhando para o bilhete que recebera de Nausícaa tão logo acordou: “Recebi uma pista quente agora a pouco e não dá tempo de te acordar. Nos vemos no hotel, perto do meio dia. Não se preocupe, sei o que estou fazendo. Assinado Oliver”. O que poderia ser tão importante? Que pista seria essa? E mais importante, e o que deixou Eric realmente ressabiado: por que ele tinha a impressão que Nausícaa estava escondendo alguma coisa? Bom, seja lá como fosse agora Eric estava em missão solo para encontrar o tal professor-contato-misterioso-do-tio-do-Oliver.

Ele estacionou a moto num dos estacionamentos do lugar. Para um campus que parecia tão pequeno – Eric já tinha visto colégios maiores na vida – o estacionamento estava entupido de carros. Parece que cada aluno trouxe dois carros. E para piorar, parecia que o lugar estava em construção há anos. Tinha muito material de construção espalhado por aí, e algumas salas ainda fechadas por tapumes que de tão velhos estava desmanchando. Fiação exposta aqui e ali e dezenas de cadeiras ainda encerradas dento do plástico, completamente empoeiradas.

Ele passou pela portaria e logo viu uma menina com um colete de segurança vermelho. Instintivamente levou as mãos ao cabo da adaga, guardado no bolso de trás da calça jeans. Ao olhar mais de perto sentiu um grande alívio ao ver outra empresa de segurança que não a Giges. Caminhou então sem pressa até a moça e lhe perguntou onde ficava a sala de Mitologia Gregco-romana.

– Mitologia o que? – ela engasgou, como se não tivesse entendido a pergunta.

– Greco-romana – Eric repetiu, dando ênfase em cada sílaba – você sabe: mitos, deuses, fadas, essas coisas.

A moça empertigou-se como se Eric tivesse dito alguma coisa sobre a mãe dela trabalhar na profissão mais antiga do mundo.

– O sangue do Cordeio tem poder menino! Eu não sei nada disso não. Só existe um Deus e ele é nosso senhor Deus. Você deve ser dessas crianças da nova era que adoram o anti-cristo. Saia de perto de mim, cria do inimigo.

Eric não pensou duas vezes em atender os desejos da segurança. Ele já tinha visto fanáticos o bastante para perceber quando alguém tinha sofrido lavagem cerebral ou tinha um parafuso a menos. E no caso da simpática moça que o atendera poucos minutos atrás ela não tinha apenas alguns parafusos soltos: era uma caixa de ferramentas inteira que estava faltando! Então ele começou a missão de bater de porta em porta em busca de tal sala. A resposta era sempre a mesma: não sei, não conheço, nunca ouvi falar, com as variações de “tem certeza que é aqui?”, “você já tentou a moça da segurança lá no saguão?”, e o clássico “olha na sala 1, ou 2, ou 3 ou 4”.

A busca já estava ficando infrutífera. Queria que o amigo estivesse ali: com certeza a essa altura Oliver já teria passado os dedos no frank e já saberia como chegar na sala, com direito a GPS e voz de Homer Simpson.  Ele se sentou no que deveria ser uma fonte de centro de jardim de inverno, cercado de vasos sem plantas. Uma figura com feições de estátua grega, parcialmente coberta com plástico-bolha apontava para a escada do segundo andar do bloco A – escada que ele já tinha subido e descido umas dez vezes naquele dia. Foi que Eric percebeu um pequeno contorno por trás da escada. Uma porta corta-fogo, pintada da cor da parede. Por que não? Ele empurrou a porta e saiu num corredor estranhamente longo. Caminhou por ele, observando o seu piso de mármore polido e as colunas de estilo grego que sustentavam o teto. Aquilo em nada se parecia com o resto da arquitetura moderna do prédio. Até que ele saiu num pátio enorme coberto, com uma quadra no centro, ladeada por dezenas de salas de aula.

Eric avançou na direção da quadra e percebeu que o piso era feito com um mosaico de pedaços de azulejo e cerâmica de várias tonalidades diferentes. Eles formava vários desenhos no chão. Contavam uma história, com um grupo de jovens guerreiros lutando ao lado de deuses contra terríveis inimigos. Não era preciso ser diplomando em mitologia grega para saber que estava diante de uma representação da guerra dos deuses contra os gigantes e os titãs. Achou realmente engraçado que um dos gigantes parecia com Cássio, o cara que perdeu para Seya a armadura de Pégaso, no anime Cavaleiros do Zodíaco.

Ele parou bem na frente da representação do gigante, reuniu uma boa dose de saliva e cuspiu bem em cima do olho do gigante que parecia Cássio. Era como se estivesse cuspindo na cada de todos os “grandalhões” que lhe fizeram bullying por boa parte da vida, especialmente na escola.

– Você deveria ter mais respeito por Hipólito, semi-deus. Ele foi derrotado, mas está voltando. E quando o fizer todos de seu sói vão sofrer terrivelmente.

Eric virou a cabeça na direção da voz, que ainda ecoava pela grande quadra, com um sibilo de serpente. Era um homem feito, alto, corpulento. Careca e sem num pelo no rosto. Usava uma calça de couro escura, botas de cano alto de pele de cascavel e uma jaqueta sem mangas onde podia-se ler “Clube dos motoqueiros Víboras do Asfalto”. Na sua calça havia o que parecia ser um cinturão, feito de cobras vivas que ficavam circulando de um lado para o outro de sua cintura.

Mas isso não era o assustador. Não era aquilo que preocupava Eric naquele momento, e sim o monte de criaturas com cabeça de cobra naja que estavam ao lado dele. Eram repulsivas: uma mistura mal feita de homens e cobras, com olhos sem órbitas, presas pontudas como agulhas e nenhum pelo no corpo. Usavam roupas de motoqueiro também.

– Eu sou Arsenika. Filho de Medusa e vim aqui para destruir você! Fidiandros, acabem com ele.

Eric não sabia o que era pior: enfrentar um filho de um monstro mitológico e seus asseclas, saber que alguém teve filhos com a Medusa, ou que esse tal filho da Medusa falava como os monstros do seriado dos Power Rangers. Os monstrengos-cobra correram na sua direção, de forma desajeitada e desordenada como se não estivessem acostumados nem a lutar juntos e nem a correr. Eric sacou as adagas a tempo de atingir o mais afoito deles no abdômen. Ao invés de espirrar sangue, espirrou uma gosma verde de cheiro forte e nauseante. O segundo atacou e foi despachado com outro golpe, apenas para liberar mais gosma fedorenta. O ar esta irrespirável. Eric sentia ânsia de vômito e os seus olhos ardiam como se tivesse mergulhado a cabeça em spray de pimenta! Ele tentou correr, mas as pernas não obedeciam. Ele esforçou-se mais e a visão nublou. Ele acabou acertando um extintor de incêndio vermelho. A pancada soou como um sino de catedral sendo badalado. Arsenika gargalhou, com seus coisas-cobras reunindo-se à sua volta.

– Esta é o grande desafio dos deuses? Este é um dos quatro grandes da profecia? Ah, os deuses devem estar perdendo as forças. Você é patético, mortal. Eu não vou matar você imediatamente. Vou tê-lo como meu escravo e vê-lo rastejar pela sujeira do mundo antes de acabar com você. Vou mata-lo lentamente com o meu veneno!

– Quer fazer o favor de calar a boa? Estou tentando dar aulas aqui.

A voz ecoou poderosa e cavernosa pela quadra. Era de alguém que não apenas sabia comandar, mas também estava acostumado a ser obedecido. Arsenika e sues homens cobra viraram em direção da voz para encontrar um professor universitário com metade do corpo para fora de uma das salas. Não parecia grande coisa: era alto sem dúvida, mas magro e pálido como se evitasse propositalmente o sol. O seu cabelo era negro e espesso, com o rosto magro sendo emoldurado por uma barba longa e escura, sem bigodes. Os olhos estavam espremidos e eram de um verde tão forte que Eric teve de desviar o olhar. Estava enfiado num paletó cor de creme, antiquado e fora de moda, com protetores de tecido escuro no lugar dos cotovelos. Usava uma camisa branca, com uma gravata cinza com bolinhas, num antiquado nó “meio Windsor”. No paletó via-se alguns botons, mas todos bem antigos. Quando ele colocou o resto do corpo para fora da sala, fechando a porta atrás de si, até mesmo Eric achou que estava tendo visões. Suas calças eram cor de creme, combinando com o paletó, morriam em cima de sapatos sociais marrons claros. Ele puxou do bolso o que pareciam uma caderneta e uma caneta.

– Volte para sua aula, panaca ou eu e minha gangue vamos arrebentar com você. O meu papo é com esse punkesinho aqui. Cai fora se não vai levar o seu.

 O professor não pareceu se incomodar e caminhou desafiador em direção a Arsenika e seus coisas-cobras. Arsenika gesticulou com a cabeça e quatro de seus comandados correu na direção do professor. Então Eric viu o que parecia um flash de luz arroxeada e ouviu como nos filmes quando alguma coisa era cortada. Quatro coisas-cobra estavam caídas no chão e na mão onde estava a caneta do professor estava agora uma espada feita de ferro escuro. A espada era bela, mas assustadora. A sua guarda era feita de ouro, adornada com uma cabeça de bode, cujos chifres se prolongavam para as laterais. Fora a guarda que era dourada e brilhante, a espada era de ferro escuro, tão denso e ébano, que até mesmo a luz parecia evitar toca-la.

A nuvem de gosma foi na direção do professor. Ele levou a mão à boca para se proteger, mas já era tarde. Foi engolido pela nuvem de gás verde. Arsenika e os dois coisas-cobras começaram a rir. Então a nuvem foi sumindo, como se estivesse sendo sugada. Quando ela sumiu por completo, Eric viu o professor cercado por 4 zumbis, todos usando roupas de soldados. O da frente, com roupa de cangaceiro e com um enorme rombo na lateral da cabeça estava todo inchado, como se fosse um balão. Ele olhou para cima e cuspiu o gás que subiu inofensivamente em direção ao teto. Outros dois zumbis, vestidos de soldados da segunda guerra mundial, correram na direção dos coisas-cobras restantes. A quarta e última era uma versão feminina de zumbi e estava vestida como uma punk. Ela enfiou a mão dentro do peito e sacou duas costelas, que passou a empunhar como se fossem adagas. Depois disso ela correu loucamente na direção de Arsenika.

A batalha foi fenomenal. Melhor que entroncação de MMA. Arsenika lutava bem, mas a zumbi punk lutava melhor. Se houvessem mais delas, a série The Walking Dead não teria saído do primeiro episódio! Ela chutou Arsenika que bateu na parede comum saco de roupas sujas sendo jogado. Ela o levantou e grampeou as mãos do górgona na parede, usando suas costelas como estacas. Arsenika urrava e gritava, tanto de dor como de ódio.

– Maldito semi-deus! Saiba que minha mãe não vai tolerar essa desfeita! Eu vou voltar, vou caçar você e toda a sua família. – Arsenika espumava de raiva a cada palavra, mas foi preciso apenas um olhar do professor, que estava vindo em sua direção com a espada na mão, para que ele engasgasse com a própria saliva.

– Primeira coisa: boca. A sua tem muitos dentes. – o professor falou em tom casual, mas a resposta da zumbi foi imediata: com dois socos bem dados Arsenika cuspiu metade dos dentes – Segunda coisa: ameaças. Eu não tolero ameaças. – a zumbi chutou o saco de Arsenika com tanta força que Eric jurou ter ouvido alguma coisa quebrar. Ao que parece a zumbi punk era a mais inteligente de seu bando e estava mesmo disposta a agradar o seu mestre. – Terceira coisa: diga a seu mestre, seja ele ou ela quem for, que ninguém se mete nas minhas aulas. Fui claro, górgona?

-Sim… – a voz de Arsenika sibilou novamente, mas dessa vez um chiado e dor e medo.

O professor piscou e a zumbi arrancou as costelas das mãos de Arsenika, recolocando-as em seu corpo. Ela e os outros zumbis andaram na direção um do outro até que se juntaram, formando a caderneta que o professor segurava minutos atrás. O professor virou-se para Eric e começou a caminhar na sua direção. Ela tinha agora um sorriso largo e acolhedor, com os braços abertos, numa clara expressão de paz e boas vindas.

Eric levantou-se com esforço e viu Arsenika correndo na direção do professor, uma adaga em punho. Ele tentou avisar, mas ainda estava engasgado. Mas ele não precisou. Antes que Arsenika chegasse perto o bastante para usar a adaga o chão se abriu diante dele e dezenas de braços esqueletos surgiram do chão, agarrando-o e puxando-o para baixo. Ele gritou em desespero enquanto o solo fechava-se como se nunca tivesse sido aberto.

– Não se preocupe “herói”. Esse não vai incomodar mais. Bem, devo supor que você é filho dos deuses e está numa missão. O que eu, um pobre professor posso fazer por você? Mas claro! Onde está minha educação? Sou Roberto, filho de Hades. Por favor, beba isso antes. Não tenha medo. É ambrosia. Minha esposa que faz. É uma delícia. Vai ajudar você a sumir com os efeitos do gás.

Eric bebeu e sentiu o corpo queimar. Um gole sua cabeça parou de doer, a garganta e os olhos pararam de arder. Mesmo o cansaço da luta havia sumido completamente.

– Então? – o professor parecia solícito.

– Bom, não sei de missão nenhuma – Eric começou, devolvendo a garrafinha ao professor. – mas se você for o professor de mitologia greco-romana, temos algo a falar.

Roberto concordou, acenando com a cabeça: – Sim, eu sou o professor, mas temo que hoje eu lecione apenas para os espíritos dos mortos que não sabem encontrar o caminho para o descanso eterno. Eu os ensino como chegar aos Campos Elísios e em outros casos eu caço os fujões do Tártaro. É um trabalho em tempo integral, que a minha esposa odeia.

 – Ok. Eu sou amigo de Oliver Albuquerque. Estamos aqui, ou melhor, eu estou aqui por que o tio dele mandou a gente procurar você caso as coisas ficassem estranhas… e nos últimos dias elas ficaram mesmo.

– Eu conheço o pequeno Oliver e seu tio. A família dele é minha amiga de muitos anos. Se estão em problemas o meu dever é ajudar. Conte-me tudo.

Eric contou o que sabia, do seu ponto de vista: o encontro com Oliver no Jerivá, a fuga dos homens de preto, a viagem para Brasília… o professor o interrompia de tempos em tempos a fim de esclarecer detalhes.

– Quer dizer que vocês não então em missão pelo Santuário? Nem sequer foram reclamados? – Perguntou o professor incrédulo.

– Cara, eu nem sei o que é o santuário e muito menos o que é ser reclamado. Mas o lance é que ontem nos hospedamos num hotel e o Oliver sumiu. Ele deixou um bilhete, mas eu não levo fé nisso.

– Em que hotel vocês estão?

– O Syros, no centro.

Roberto empalideceu – se é que ficar mais pálido fosse possível. Ele assobiou e logo depois Eric ouviu o trotar de um cavalo. Era um enorme garanhão negro, com cascos em chamas. No lugar os olhos e narinas, existiam buracos vazios e vermelhos, que ardiam como ferro em brasa. A crina parecia ser feita de fumaça.

Roberto montou no que mais parecia um pesadelo equino saído do inferno e estendeu a mão para Eric:

– Vamos logo! Se tudo o que você disse é verdade e seu amigo está no Syros temos de nos apressar antes que ele morra ou coisa pior.

Os novos heróis do Olimpo – Capítulo 7

Respostas serão dadas… para quem sobreviver o bastante para recebê-las.

A viagem de moto transcorreu sem problemas. Oliver mal percebeu que eles cruzaram os quase duzentos quilômetros que os separavam de Brasília em pouco mais de três horas. Fizeram uma pequena pausa para se reequiparem: abasteceram a moto e Eric pediu o cartão de débito de Oliver emprestado para “comprar umas coisas”. Camisas novas, uma faca, comida (a maioria biscoitos e outras guloseimas), cantis (cheios de água mineral), fósforos e fita isolante. Ele comentou algo sobre estar preparado é meio caminho andado.

Era começo de noite quando chegaram a uma pequena cidade nos arredores de Brasília. A placa enferrujada dizia “Bem vindo ao Setor Sul do Gama – quadras ímpares”. Rodaram por mais alguns minutos até que acabaram chegando no setor central do Gama – engraçado que a cidade era dividida em setores e não em bairros, pensou Oliver. Lá avistaram um Subway e se prepararam para jantar.

– E ae? Notícias do tal contato? – disse Eric enquanto afundava os dentes num sanduíche de 30 centímetros de cream cheese com tanto molho chipotle e cebolas que Oliver pensou que o amigo fosse cuspir fogo. E o mais estranho é que Oliver não se espantaria se isso acontecesse.

– Bom, eu só recebo respostas automáticas de e-mail. Pelo que sondei, o cara é um professor de universidade, como o meu tio. Dá aulas na UnB, num campus perto daqui. – Oliver sorveu uma boa golada de seu chá mate com limão e muito gelo, olhou meio sem vontade para seu “frango teriaki no pão de três queijos com bacon extra e molho parmesão”. Estranho. Era seu sanduíche favorito. Eric tentou decifrar a expressão do amigo, mas ainda tinha 14 centímetros de cream cheese e cebolas o desafiando a cada mordida. – Não consegui o endereço dele mas sei que ele dá aulas amanhã.

– Mas amanhã é sábado – disse Eric incrédulo, metade da boca preenchida por cream cheese – não sabia que as universidades davam aulas aos sábados.

– Elas não dão – respondeu Oliver, arrancando finalmente uma mordida de seu sanduíche – é por isso que temos de tomar cuidado. A universidade fica na frente de uma via de acesso muito movimentada, como é mesmo o nome? Ah sim, DF-480. A aula dele começa as nove da manhã.

– E o que ele leciona? – perguntou Eric lambendo os dedos cobertos de molho.

– Mitologia greco-romana.

O clima ficou um pouco tenso, uma vez que dois dos últimos inimigos que eles tinham enfrentado pareciam ter fugido de um livro de mitologia grega. Eric puxou uma da das adagas que tinha conseguido com os caras de jaqueta vermelha. Era impressionante. Leve, compacta, feita de bronze – ou algo bem parecido com o bronze – e com tantos detalhes intrincados. Era linda realmente. Ele a colocou na mesa para pegar a outra e por um instante a adaga perdeu seu brilho. Parecia, na melhor das hipóteses, uma faquinha de plástico dessas que vem em festinhas infantis. Dessas, tão fracas, que se você olhar para ela com cara feia, ela se quebra.

Os amigos ficaram intrigados com aquilo e pelo resto do jantar fizeram experiências com as adagas. Juntas, separadas, com um segurando, com outro segurando… até mesmo filmaram algumas tomadas com o frank. Em vídeo, a adaga tinha sempre cara de “faquinha cinzenta inofensiva e frágil”.

– Bom precisamos de um lugar para dormir. Não podemos ficar perambulando até amanha esperando a tal aula de mitologia. Tem algum hotel aqui perto?

– De acordo com o foursquare tem um aqui do lado. O Syros Hotel. A diária não é cara e pelos comentários que eu li o atendimento é bom. Acho que vale à pena dar uma olhada.

O hotel era tudo o que o site dizia e muito mais. Tinha jeito de ter sido reformado recentemente, com paredes bem pintadas, iluminação indireta da última moda, piso de porcelanato de primeira. Os quartos também eram espaçosos e confortáveis. Não fizeram muitas perguntas e com a diária paga, Oliver e Eric foram encaminhados para uma suíte perto da cobertura.

– Sei que estão um pouco cansados da viagem – disse a menina morena da recepção, enfiada num casaquinho cor de vinho e com um brilhante crachá que reluzia o nome Nausícaa. Quem diabos daria um nome desses a filha, pensou Eric– mas a nossa cobertura é muito bonita à noite. Dá para ver a cidade toda e muito mais. Vale à pena a visita.

Já instalados no quarto Oliver enfiou-se de novo com o frank. O fato de não achar nada sobre o contato do tio o deixava exasperado. A pergunta coçava na sua cabeça. Oliver achou o controle da TV e descobriu que num dos canais passava um programa sobre videogames. Tudo e mais alguma coisa sobre os jogos de luta da E3 deste ano.

Por fim, Oliver resolveu subir ao terraço. Eric preferiu ficar no quarto, curtindo a cama macia e quentinha. “A primeira vez em semanas cara, tem que aproveitar” disse ele antes de espichar-se na cama.

O terraço era tudo o que Nausícaa havia prometido e muito mais. Apesar das luzes da cidade, Oliver conseguia ver muito bem as estrelas do céu. Isso era uma coisa que o acalmava. O céu noturno, como um véu negro, sapecado de pequenos e brilhantes diamantes. Era o tipo de visão que o acalmava e ao mesmo tempo o deprimia. Sentia uma saudade estranha. “É ruim ter saudade de algo que você não sabe o que é”, pensou ele em voz alta.

– É mesmo, meu jovem, é mesmo.

Oliver deu um pulo para trás. Achava que estava sozinho no terraço, mas pelo visto não. Sentado perto dele estava um senhor negro. Alto, forte, de boa compleição física e bem vestido. Ele estava sentado numa mesa, com dois pratos à sua frente, como se estivesse esperando alguém para o jantar, ou ceia, a julgar pelo avançado da hora. Oliver concordou sem jeito com o homem intrometido e se preparou para voltar ao quarto. Alguma coisa no nome do hotel o incomodava e ele não sabia exatamente o que. E aquele homem, definitivamente, não lhe causara boa impressão.

Antes que pudesse ir, viu Nausícaa trazendo nas mãos uma bandeja coberta com uma antiquada cúpula de prata. Ela depositou a bandeja na mesa e tirou a tampa. O perfume saboroso encheu o ar. Costelinhas de porco com molho barbecue, cercadas por uma farta guarnição de cebolas empanadas, acompanhadas de douradas fritas cobertas com queijo derretido e purê de batatas. Oliver tinha acabado de jantar, mas involuntariamente seu estômago roncou. Ele corou de vergonha na mesma hora que Nausícaa deu um risinho na sua direção.

– Mais alguma coisa, majestade? – falou ela em tom solene, como se estivesse mesmo diante de um monarca ou coisa parecida.

– Não minha pequena. Está tudo maravilhoso, como sempre, aliás. Pode ir. Ei rapaz, por que não se junta ao jantar comigo? É comida demais para um homem só. Não se preocupe. Eu não tenho nenhum interesse amoroso em você: sou o dono deste Hotel. Este e mais 125 espalhados pelo mundo. Sinto apenas falta de companhia extraordinária para o jantar, e acho que você é de uma safra especial, rara demais para deixar passar.

Oliver pensou em ir, mas quando se deu conta estava sentado à mesa com o expansivo senhor Eumeu Feácio. Após alguns minutos Oliver não sabia o que era melhor, ouvir a conversa do homem ou saborear a comida. Estava tudo delicioso demais. Cada garfada era um sabor diferente, pungente, inebriante. Oliver sentiu-se um pouco tonto e Eumeu garantiu que era por causa do molho, feito também com um pouco de vinho. Logo pediu que Nausícaa trouxesse um pouco de água com gás e café para o convidado. “A água limpa a boca e o café ajuda a despertar”, disse seu anfitrião.

Após o café Oliver sentiu a cabeça desanuviar e só então percebeu que tinha contado toda a sua aventura para Eumeu. Tudo, desde a fuga de São Paulo, a queda do avião, o encontro com o amigo e agora companheiro de viagens Eric. Tudo. Oliver sentiu-se envergonhado.

– Ora, não se preocupe semideus. Um rei como eu adora ouvir histórias como a sua. Não escuto nada tão divertido desde que um filho de Poseidon, ou seria Netuno? – Eumeu estalou os dedos – passou por aqui com sua namorada filha de Ares. Casalzinho explosivo aquele! Mas não são nada comparados a você! A sua história é mais que única. Um filho de um dos três grandes é algo raro. Algo a ver com alguma profecia idiota, uma pena. Mas o filho de um deus exilado é algo ainda mais raro. A senhora sua Mãe não é vista na terra dos mortais desde a Guerra com os Titãs.

Logo Eumeu foi interrompido por Nausícaa. Ela trazia outra bandeja, mas em cima dela um copo. O cheiro era doce e forte e o líquido espumava como um refrigerante. Ele o tomou nas mãos o verteu imediatamente. Em poucos segundos explodiu num sonoro arroto, enchendo o ar com o aroma do porco, agora carregado com o cheiro de abacaxi.

– Ah – gemeu ele de prazer – nada com um bom copo de Jaó para dar o arroto de fim de noite. Coisas de grego, espero que me perdoe. Eu daria um copo a você, mas não sei se a senhora sua Mãe aprovaria. A última coisa que eu quero é encrenca com os deuses. Não que eu não tive a minha cota, ajudei os argonautas e Odisseu. Vou dizer, Zeus sabe assustar quando está furioso! Eu não me meteria com ele se fosse você.

A cabeça de Oliver estava a mil por hora. As informações surgiam como se ele estivesse conectado a uma central de dados. Ele sabia quem era Eumeu, o rei de Siros, onde Odisseu foi ajudado pela jovem Nausícaa. Tudo se encaixava numa velocidade estranha.

– O senhor, quer dizer, majestade, conhece minha mãe? – Oliver titubeou, o porco ao molho barbecue dançando com o frango teriaki.

– Não posso dizer que não conheço, embora jamais a tenha visto frente a frente, filho dos deuses. Pelo menos, não vi jamais sua forma humana. A forma que deve ter seduzido o senhor seu Pai para que você nascesse. Eu vejo o semblante de sua mãe todas as noites quando venho comer porco e olhar as estrelas. Por que sua mãe, caso não saiba, é a…

Eumeu não teve tempo de completar a frase. Oliver estava de pé, olhando as estrelas. O nome surgiu na sua mente, como sempre surgiam as coisas:

– Astréia… – o mundo ficou escuro, e tudo o que Oliver viu antes de cair foi o rosto de preocupação de Nausícaa, como se pedisse que ele não morresse.

Os novos heróis do Olimpo – Capítulo 6

Segredos serão revelados e cosias serão quebradas

Dez minutos. Dez longos minutos de espera. Eric estava impaciente. Tinha feito tudo o que Oliver tinha pedido, incluindo que ele ficasse quieto, dez minutos atrás. Sempre que tentava falar, Oliver levantava a mão na sua direção como se pedisse mais alguns minutos. Eric suspirou e olhou pela janela do carro. O motor estava ligado, assim como o ar-condicionado. Oliver estava com o frank conectado a uma entrada de usb onde deveria haver o rádio. Ele riscava os dedos furiosamente na tela do tablete-celular-torradeira. Por fim Oliver suspirou, recostou-se no banco do passageiro deixou-se relaxar.

– Está feito – disse ele, com um tom de “dever cumprido”.

– Tem certeza disso? – Eric parecia incrédulo – explica de novo o que você fez, mas dessa vez em língua de gente.

– Bom, eu tinha a suspeita que os tais agentes de preto estavam me seguindo e que tinham um modo de me localizar. Eles tinham anotado a assinatura eletrônica do frank . Por isso sempre que eu me conectava á rede eles me localizavam.  O que nos leva a essa área. O riacho lá atrás e essas linhas de transmissão, fora o solo extremamente ferroso dessa região criam uma estrutura parecida com a gaiola de Faraday. Parecida, mas não igual. Eles não podem nos localizar, mas eu pude entrar por uma “porta dos fundos” do sistema deles quando conectei o frank ao sistema deles. Agora programei um aplicativo para ficar oculto no sistema deles, dando informações errada da nossa localização.

– E o lance das fichas?

Isso incomodava Oliver muito mais que a insistência dos homens de preto. Eles tinham um arquivo com fichas pessoais. Lá estavam Oliver e Eric, além de outras pessoas. Estava tudo lá: nome, idade, peso, locais visitados, amigos, endereço provável e até mesmo as últimas compras que cada um fez. Tinham outros nomes da lista, mas estava encriptadas. Oliver brigava nos últimos minutos para descobrir quem era a pessoa, porque, ao que tudo indicava, ela seria a próxima a receber a visita dos homens de preto.

– A minha, a sua e mais algumas pessoas. Cara isso é muito estranho. Até onde eu sei, nada no seu passado se liga no meu…  mas eu resolvi pelo menos um problema. Mudei a nossa cara nos arquivos deles. Espero que o pessoal do One Direction não se importe de receber uma visita deles sempre que passarem por um aeroporto.  – Apesar da óbvia piada, Oliver parecia realmente chateado.

– E eles não vão nos achar aqui?

– Duvido muito. Desliguei o GPS deles assim que entrei no carro. Eles não têm como nos localizar. Acho que a melhor coisa a fazer é tentar chegar a uma cidade. Lá podemos acessar a internet de uma lan house e conseguir ajuda com um contato do meu tio em Brasília.

– Alguma ajuda com o contato do tio “teoria da conspiração”? Não sei se parece uma boa ideia.- Eric não se sentia à vontade com teorias mais complicadas do que a do sorvete napolitano.

O silêncio imperou. Dava para ouvir o motor do carro e o barulho do ar condicionado funcionando e mais nada. O ar estava denso, tenso e pesado. Por fim Oliver comentou:

– Eu estou cansado de correr. Quero saber as respostas. Se para conseguir essas respostas eu vou ter de confiar num estranho indicado pelo meu tio é isso que eu vou fazer.

– E você vai com esse carro? – Eric parecia mesmo com vontade de dirigir aquela beleza de novo.

– Não. Vão procurar por ele. Melhor irmos a pé.

Desceram do carro. Eric arrumou a mochila de viagem nas costas, e foi até o riacho encher o seu cantil. Foi quando ele os viu. Piscou duas vezes e sentiu a cabeça começar a doer. Oliver sentiu também. Já tinha visto aqueles caras e sabia que eram encrenca.

Era um bando estranho. Tinham quase 20 pessoas. Alguns em motos, outros em carros, mas todos com a mesma roupa: coletes e bonés vermelhos onde se lia ao longe Giges Segurança. Na frente deles o que parecia uma mulher com asas de morcego, chifres e um rabo de diabinho de desenho animado. Eles vinham pela estrada, devagar, como que farejando o caminho. A moça com jeitão de cosplay da Morrigan sorriu de satisfação ao vê-los e lançou-se ao ar. Como se as coisas não pudessem ficar pior, além de estarem sendo alvos de uma conspiração super tecnológica agora enfrentavam meio mulheres meio demônios. Os coletes vermelhos largaram carros e motos e começaram a andar ameaçadoramente na direção deles. Alguns pele avermelhada, outros com caudas de diabinho, outros com chifres e outros com asas (mas nenhum deles levantou vôo). Além disso, todos com cara de cachorro.

– Achei que eles não poderiam nos achar – disse Eric agarrando um pedaço de pau no chão.

Olliver sentiu sua tatuagem queimar. O nome surgiu na sua mente. Ele queria dizer, mas se controlou para manter-se calado. Ao invés disso, assumiu uma pose de luta qualquer, como se fosse um nerd imitando os movimentos do UFC.

A cosplay de Morgan passou por cima deles e pousou entre eles e o carro. Ela sorria com a boca cheia de dentes pontiagudos, mãos terminando em garras compridas, pintadas com esmalte vermelho. Quando não estava na forma de “coisa saída dos infernos” ela bem que poderia ser jeitosinha, pensou Eric sem dizer nada.

– Olá meio-sangues. Vocês podem ter deixado os lacaios do “garoto da técnica” para trás, mas o meu pai não quer perder mais tempo. Rendam-se e eu garanto uma morte rápida – ou uma existência dolorosa e excruciante para sempre como escravos mortos-vivos no mundo inferior caso resistam. – A voz dela era como unhas arranhando um quadro negro. Era claro que ela estava falando a verdade.

Eric olhou para Oliver e estendeu a mão. Oliver estendeu a mão em resposta e deram um aperto de mão longo e forte, olhando um nos olhos do outro. Por fim, disseram juntos de uma só vez:

– Desculpe ter metido você nessa, cara!

– Espere aí! Eles não estavam atrás de mim e sim de você?

Ambos, Oliver e Eric sentiram-se tolos. Os inimigos se aproximavam. Aquilo não era uma história em quadrinhos onde eles tinham que proteger suas identidades secretas. Nem a Liga da Justiça nem as Meninas Superpoderosas iam aparecer no último minuto para salvar o dia. Era lutar ou morrer. Oliver soltou a mão de Eric, deu dois passos em direção a Morrigan dentes de tubarão e disse: astéron thráfsma! Um flash de luz explodiu a o fragmento de estrela surgiu em sua mão mais uma vez, dessa vez imitando a espada de um velho desenho animado chamado “Blackstar”. Eric descalçou os sapatos. A tatuagem de seus tornozelos tinham se tornando asas de verdade, com penas e tudo. Os dois meninos se olharam, como se fizessem uma promessa silenciosa um ao outro: “quando isso tudo terminar temos que conversar”.

A súcubo berrou ao ver a espada. Ela começou a amaldiçoar num misto de grego, inglês e outras línguas que pareciam ter mais consolantes do que vogais. Ela alçou voo mais uma vez, mergulhando em seguida, garras afiadas mirando no peito de Oliver. Mais uma vez Oliver se moveu como se fosse outra pessoa: a espada saltou para frente, bloqueando o ataque e deixando a guarda da súcubo aberta, apenas para ser atingida por uma paulada certeira de Eric.

– Strike um! – ele gritou enquanto levantava a clava improvisada para mais um golpe. Já em solo a súcubo cuspiu alguns dentes pontiagudos no chão, gesticulou e uma força invisível jogou Eric em direção das árvores com um baque surdo. Ela se virou para Oliver e começou a golpear com as garras seguidamente. Estava possessa, incrivelmente furiosa. Oliver mal dava conta de se defender, segurando a espada com ambas as mãos. Foi quando escutou o que parecia ser uma explosão de ar, como a câmara de ar de um pneu estourando. Instintivamente ele se virou e então foi derrubado por uma rasteira da cauda de Morrigan. Ela se jogou sobre ele e Oliver viu o que parecia ser um borrão com forma de Eric mergulhando em direção à súcubo. Outra pancada certeira na cabeça, só que ainda mais forte que a primeira! – Strike dois! – ele gritou de novo enquanto um enorme hematoma vermelho se formava na cabeça do monstro. A clava improvisada partiu-se em dois pedaços.

Oliver aproveitou a chance. Era única. A súcubo estava desnorteada pelo golpe. Ele ergueu sua espada e desferia um golpe de cima para baixo, com as duas mãos. O golpe partiu a súcubo ao meio e antes que ela pudesse tocar o chão partida em duas metades desiguais evaporou-se no ar. No chão apenas mais alguns dentes restaram.

– Strke três! Você está fora, bruxa! – Eric gritou apontando para o lado como um juiz de jogo de baseball.

Oliver sorriu, mas sabia que não estava terminado. Ele olhou para o lado e viu os homens-cachorros-demônios com uniforme da Giges Segurança mantendo uma distância segura. Parecia que não sabiam bem o que fazer já que sua líder havia evaporado no ar. Eric parou do seu lado e comentou com um sorriso maroto:

– Espada maneira cara. Se isso for um sonho eu não quero acordar agora.

Oliver olhou para o amigo. Sem sapatos, com asas saindo dos calcanhares. Imediatamente invocou na cabeça duas imagens: Namor, o príncipe submarino (antigo quadrinho da Marvel Comics) e a figura de Hermes, o mensageiro dos deuses. Imaginava qual dos dois seria a referência correta ou se havia uma terceira ainda mais estranha.

– Asas maneiras, eu acho. O príncipe Namor sabe que você as pegou emprestado?

– Príncipe quem?

Um dos coletes vermelhos gritou (ou uivou, depende do ponto de vista) e começou a correr na direção dos dois. Hesitantes, atrás deles outros começaram a correr. Alguns tinham garras e outros carregavam o que pareciam armas antigas, todas de ferro e algumas feitas de brilhantes peças de bronze. Oliver lembrou-se do avião. Ergueu a espada em direção dos inimigos e lembrou-se do combate com o katómeros. De novo o flash de luz explodiu da ponta da sua espada, avançando como um raio no peito do auto-proclamado “novo líder da matilha Giges”. Ele explodiu como a súcubo, deixando no seu lugar um para de adagas de bronze.

– Bankai! – gritou Eric de puro prazer – Tensa Zangetsu! Acaba com eles Ichigo!

Oliver não podia ouvir. Na sua cabeça só escutava o pulsar do seu coração, num ritmo muito forte. Ele mirava e disparava. Um novo disparo e mais outro. A cada disparo mais um dos jaquetas vermelhas era eliminado. A visão turvou. Mas ele sabia que tinha que continuar. Caiu de joelhos e deixou a espada cair de lado. De repente ela pesava tanto, que mal podia suportar erguê-la novamente. Foi que ele viu. Ou achou ter visto. Eric havia pegado as adagas do primeiro jaqueta vermelha que ele havia despachado e com elas corria no meio dos inimigos restantes desferindo golpes. Ele corria rápido e se esquivava com rapidez dos ataques. De vez em quando suas asas dos pés estalavam, como uma grande explosão de ar, projetando-o para frente como um míssil humano. Usando a espada para se levantar Oliver viu o último deles ser derrotado com um movimento que lembrou um fatality do jogo Mortal Kombat. Até mesmo frank pareceu comemorar, tocando tema da vitoria de Final Fantasy X.

Agora estavam os dois, frente à frente de novo. Alguns arranhões aqui e ali pela luta, mas nada que não pudessem contornar. Resolveram pegar uma das motos e seguir em direção à Brasília. O contato do tio de Oliver tinha muito a explicar.

Os novos heróis do Olimpo – Capítulo 5

Eric

Quando ainda era moleque Eric era muito maior e mais magro que seus colegas de infância. Por isso ganhou o apelido de magrão. Não que ele não gostasse. Ele gostava de ser chamado de magrão. O fazia lembrar-se daquele jogador de basquete, como era mesmo o nome dele, ah sim, Oscar. Um grande craque. Mas tinha vezes na vida dele que ele achava que ouvia errado e que seu apelido era “azarão”. Porque sempre que alguma coisa ia bem aparecia algum desastre à vista. Sempre.

A começar pela família de Eric muita coisa deu errado. A mãe dele foi atleta olímpica. Filha de um lar desfeito e sem parentes vivos ela perambulou pelo mundo até arrumar emprego como entregadora de cartas dos Correios. Descoberta enquanto ainda trabalhava para os correios, numa dessas competições organizadas pelos diretores da empresa, ganhou o mundo. Dali para uma meteórica carreira como corredora de longa distância foi realmente umas poucas passadas. Foi até classificada para as Olimpíadas de 2004. Ela correu e apesar de não ter sido bem sucedida não chegou a perder feio. Após os jogos resolveu ficar um pouco mais de tempo na Grécia. Correr por onde havia surgido o termo “maratona”. Conhecer o lugar onde a corrida ganhou status de jogos em homenagem aos deuses. E foi lá, nesta viagem, que ela conheceu seu pai.

Era um esportivo grego, que como ela, também trabalhava entregando correspondências. Corria a Europa inteira entregando pacotes para uma empresa chamada “Aktinon”, que era de algum parente. E era tudo, ou quase tudo o que sabia do pai.  Das buscas que fez pela tal empresa nunca achou nada e nem ao menos uma palavra sobre um corredor grego chamado Nicoxemos. Fato é que o relacionamento dos dois não durou. Nos últimos 16 anos de vida Eric viu o nunca viu o pai, mas recebeu pelo menos uma dúzia de cartas dele.

Após o relacionamento mal sucedido a sua mãe voltou para os correios. Foi mais ou menos na mesma época que Eric nasceu. Com três anos de idade sua mãe acabou perdendo a vida num assalto mal explicado. Sem parentes próximos, Eric se viu forçado a viver passando de orfanato em orfanato, de lares temporários em lares temporários e sempre que alguma coisa na sua vida começava a melhorar era como seu uma chuva de lixo estivesse prestes a cair. Foi entre essas tempestades de azar que ele viveu dos dez aos catorze anos no orfanato São Miguel, no interior do Rio de Janeiro. Era uma vida boa. Ou quase. O orfanato era pobre e carente de quase tudo, menos de amor e carinho. Quantas vezes, ao lado dos amigos de infortúnio, espantou a fome com chá de folhas de limão colhidas no limoeiro dos fundos da casa? Naqueles anos Eric sentiu-se amado por seu Nestor e dona Andréia, os administradores do lugar. Ele estudava numa escola próxima, jogava videogame com o supernintendo de seu Nestor e nos fins de semana saía com os amigos para paquerar as meninas nas matinês em volta da praça da cidade.

Foi numa dessas matinês que sua sorte mudou de novo. Recebera uma carta de seu pai, com um presente. O primeiro dele desde que se entendia por gente. A carta era breve e dizia que o presente, uma velha medalha dos jogos olímpicos de Atenas 2004, o ajudaria a encontrar a felicidade. Era uma medalha de ouro, pequena e com inscrições em grego. “Era a medalha que sua mãe deveria ter ganho e perdeu por minha causa”, dizia a carta.

Foi então que o azar começou a se tornar bizarrice. Um grupo de pessoas vestidas de terno e gravata começou a rondar o orfanato fazendo perguntas sobre garotos tatuados e medalhas. Numa fira noite de outono eles invadiram o orfanato. Eles tinham uma ordem de prisão para Eric. Seu Nestor negou-se a dizer onde o menino estava e por isso foi preso. Nunca mais se soube dele. Naquela mesma noite dona Andréia o levou à rodoviária e lhe deu algum dinheiro para que ele tentasse ir para o mais longe que pudesse. Não adiantava procurar as autoridades. Eric deveria fugir. E desde então Eric perambula no mundo. Bom, essa era a história curta que Eric pretendia contar ao aflito Oliver assim que pudessem parar. Enquanto Eric concentrava-se na estrada via o amigo afundado no tablet dele pesquisando alguma coisa que parecia muito importante – pelo menos mais importante do que morrer com um tiro ou coisa pior por alguns agentes da MiB caçadores de crianças tatuadas.

Não, não era a hora de contar sobre como Eric podia correr rápido. De como suas tatuagens ganhavam vida, impulsionando-o para frente como um foguete. Nem era a hora de dize que seu Nestor estava sumido sim, mas que foi dona Andréia que o denunciou aos tais homens de preto e que com a ajuda das suas asas ele conseguiu fugir. Não era hora de dizer sobre a sua agilidade sobre-humana e nem como a sua medalha brilhava, apontando todos os dias a direção a seguir. E nem como a medalha aqueceu-se forte perante o aperto de mão de Oliver. Talvez Oliver fosse a pessoa mencionada na carta de seu pai. “Um amigo inesperado vai achar você. Seja gentil e leal com ele, pois com ele segue a chave para a sua felicidade”.

Cada minuto que Eric ficava ao volante mais ele sentia o carro. Era como se a cada segundo que ele ficasse dirigindo mais ele conhecesse cada parte do veículo, como se ele se integrasse com a máquina, como se fossem um só. Ele se sentia o verdadeiro piloto de corridas. Alias, se alguma coisa podia se mover com rapidez Eric achava que poderia aprender a controla-la em poucos minutos. Foi assim com a moto que ele achou com chaves na ignição em Feira de Santana, ou com aquele Jet Ski em Bertioga, que ele tinha conseguido ligar com uma pancada no painel. Até agora não sabia como, mas suas mãos eram boas para abrir ou fazer funcionar as cosias. Era assim que ele consertava as coisas, ou dava partida nas coisas, sem saber. Era algo que simplesmente acontecia. Era quase mágico.

Por fim Eric ouviu o amigo dando-lhe coordenadas. “Ali na frente vai ter uma estrada de terra” ele dizia com uma desconcertante certeza. “Vamos pegá-la. Depois vire sempre á direita nas bifurcações que encontrar. Quando chegarmos à terceira, atravesse o rio mesmo que ele pareça cheio”.

“Seja leal com ele”, martelavam as palavras na cabeça de Eric. E tudo correu como Oliver falou: a estrada de terra, as bifurcações e até o rio. Cara, deu medo atravessar aquele riacho a 120 km por hora, voando água para todo lado, mas foi o que Eric fez. Por fim Oliver pediu que ele parasse o carro embaixo de uma frondosa jabuticabeira.

– Temos que conversar cara – disse Oliver em tom sério.

E Eric pensou que o pior ainda estava por vir.