Pensando ou re-pensando o que é o ciberpunk.

O Ciberpunk, pelo que me consta, é um meta-gênero, inaugurado pela publicação de Neuromancer de William Gibson. Era um mundo de desesperança, onde a tecnologia havia se fundido com o homem. O “cyber” de peças cromadas fundidas ás partes humanas, onde a informação valia mais que a própria vida.

Depois de 25 anos vale a pena dar uma olhada na obra, propondo a sua releitura para quem sabe, reativar os jogos deste tipo.

 

A internet em grande escala é uma realidade.

Hoje a internet espalha-se como a fonte de informação mais rápida e acessível do mundo. Mesmo cidades bem pequenas contam com Lan Houses e centros públicos (as famosas ilhas de inclusão digital do governo federal). A informação acontece e se processa quase que em tempo real. Em certos lugares onde a internet não chegou “oficialmente” você pode contar com links dedicados via satélite ou mesmo modens móveis que navegam nas invisíveis ondas da banda B da telefonia celular.

Hoje a compra do computador se tornou algo corriqueiro. Com as facilidades de crédito qualquer assalariado pode dispensar parte de seus rendimentos para adquirir um notebook, um netbook ou mesmo um bom desktop. Celulares especiais – os smatrphones – fazem o sonho geek de tudo literalmente na ponta dos dedos. Um amigo meu veio de Cingapura esses dias e trouxe um celular de pulso. Na verdade uma espécie de variação do I-phone, de tamanho reduzido, fabricação chinesa e colocado numa estrutura de pulso. Ele atende comandos de voz. Então, apenas para se mostrar ele pergunta ao celular: “where am I?” ao qual o aparelhinho do capeta abre o google earth e mostra sua posição quase exata via GPS. Depois ele pergunta: “I am hungry” ao qual o aparelho mostra todos os restaurantes nas redondezas. Para terminar a humilhação ele disse: “I want pizza” e o celular selecionou as duas pizzarias nas redondezas. Clicou com o dedo numa delas e saiu o endereço, o telefone e tudo mais. Tudo isso parado no meio da Sandu Norte em Taguatinga.

Não temos a internet de imersão sensorial – a famosa matriz (shadowrun) ou ciberspaço (CP 2020), mas com celulares como aquele, bem, não acho que façam realmente falta. Imagino o que um hacker com um Vaio bem potente pode fazer de estragos, sentado educadamente numa biblioteca pública ou comendo um sanduíche natural nestas lanchonetes que dão acesso wireless gratuito. E sem o risco de ter o seu cérebro fundido por algum GELO ou contramedida de segurança.

 

A Cibertecnologia não se popularizou.

Temos alguns ciborgues circulando por aí. Próteses médicas cada vez mais avançadas, mas nada cromado e fundido na pele. O quente hoje é a biotecnologia, a bioengenharia. Para que gastar milhões com um braço biônico quando investindo os mesmos milhões podemos desenvolver células tronco com poder regenerativo o bastante para fazer crescer dentes de volta (mesmo depois da segunda dentição) ou mesmo gerar um novo braço a partir de um coto decepado? Não é realidade ainda, mas está bem mais perto do que uma perna cromada com uma metralhadora acoplada ou esporões para escalada.

Não existem, da mesma forma, super armamentos. Nada de giro-foguetes com dano absurdo. Uma boa PT-99, calibre 45 mata igualzinho a um revólver calibre 38 – o famoso “três-oitão”. Existem super armas sim, experimentais, mas que ainda não são de domínio público. Tasers, balas de borracha, armas para serem usadas contra multidões, bombas de pimenta ou fedor ganham cada vez mais espaço ao lado do tradicional cassetete e da pistola de apoio. As próprias viaturas policiais contam com motor bi-combustível, tração reforçada, câmeras de vídeo e computador de bordo. Não podemos dizer que o treinamento da polícia melhorou…

Falando em câmeras, vivemos num mundo onde a privacidade é cada vez menos respeitada. A todo instante somos surpreendidos por dizeres “sorria, você esta sendo filmado” quando isso ainda surpreende alguém. Reality Shows se fazem no dia a dia, com as câmeras do sistema de vídeo de um supermercado ou shopping, quando flagram a ação ilegal de bandidos. É o mundo do Big Brother, preconizado por Orwell em seu “1984”.

 

Os governos não caíram e as mega corporações não assumiram – ainda.

E provavelmente não vai acontecer. Os EUA e a Europa vêm sofrendo uma crise internacional desencadeada com efeito de anos de liberdade excessiva das grandes corporações financeiras e agências internacionais de crédito. Essa crise, que matou dezenas de bancos, desempregou milhares de pessoas, varreu a face da terra e deu fim a General Motors levará anos para ser dizimada. Logo a GM que era o símbolo da América livre e bem sucedida comercialmente. A liberdade e o estilo de vida americano rodavam num GM. Agora a GM vai deixar de rodar.

Embora algumas mega-corps já existam (Sadia e Perdigão juntas, alguém duvida?) elas estão muito longe de serem as coisas onipresentes do mundo dos jogos e dos romances meta-mídia. As grandes gravadoras sofrem com a liberdade de informação, num mundo globalizado onde a facilidade de escoamento de mídia é assustadora. Como impedir o download de milhares de terabites de informação não sancionada? Como sobreviver com CDs, DVDs e Blue-Rays, num mundo onde um pendrive do tamanho de um chaveiro pode ocupar 320 gigas de memória? Assustador, porém verdadeiro, toda a sua coleção de livros de RPG pode caber num troço menor e mais portável do que uma pilha AA tamanho grande.

Uma das coisas que não acontece no mundo é a volta de uma tecnologia já ultrapassada. Você não vai ver o retorno das máquinas de escrever, do disquete 3.5, do telegrama ou dos carros mono-combustível. O avanço na tecnologia, como diz o meu amigo Leonel, é irresistível e irreversível. Já existe até leitor de PDF portátil – você sabe se alguém ficou rico com isso?

 

A corrupção abunda a polícia não dá conta do recado.

Ok, acho que não precisamos mudar isso. A corrupção verdeja e cresce mais que câncer em paciente terminal. As formas tradicionais de combate a violência (enfrentamento e inibição por demonstração de força ostensiva) não estão mais surtindo tanto efeito. As prisões não estão igualmente dano conta do recado.

O abismo social se agrava à medida que a estratificação social entre os que podem ter e os que não têm aumenta exponencialmente. E no mundo de hoje mais do que ter pode e ter atitude, TER vem ante do SER. Você é aquilo que você tem e não o vice-versa. Eu costumo brincar dizendo que não é mais “diz-me com quem andas… e eu te direi quem és” e sim “diz-me com O QUE andas… e eu te direi quem és”. A medida de existência neste universo neo-ciberpunk é a capacidade de consumir. Você não consome? Não existe. Experimente ir a uma “loja de marca” mal trajado e no outro dia vá bem vestido. Uma vez fui numa loja aqui de termos, bem vestido para experimentar um terno e a mulher só faltou pagar um boquete para que eu levasse o material que ela me apresentava. É o poder da aparência sobre o poder da realidade. Beleza interior é para quem ao pode pagar por uma supermodelo e fica recalcando. O preconceito não é mais por cor da pele (ok, ainda existe). É por ser rico ou não. Ou você acha realmente que as mulheres gostam mesmo do Ronaldo por ele ser um fenômeno nos campos ou ter uma conta fenomenal?

 

E nos mundos de jogo? O que muda e o que não muda?

As alterações são severas nos cenários quando o assunto é transporte, cibertecnologia e armamento. Nada de giro-veículos, nada de olho mecânico com raio laser embutido, nada de canhões panther portáveis com cintos estabilizadores. A tecnologia ciber se manifesta sim na grande rede de comunicações globais: nos carros com GPS, nos celulares de pulso, nos pendrives, no controle de informações.

E existirá espaço para mercenários e shadowrunners neste admirável mundo novo? Mas é claro. A corrupção cresce, o TER impera sobre o SER, e até onde eu sei a espionagem industrial anda em alta. Eliminar um político inconveniente, suprir a máfia local com semi-automáticas da velha União Soviética, dar cabo de espiões norte-coreanos nas vielas da Vila Estrutural em Brasília… o que não falta é ação para esse pessoal que trabalha à margem da lei.

Assim que der eu pretendo repassar Shadowrun sob esta visão. O que muda e o que fica no velho cenário da segunda edição da fasa.

Come to the rainbow side of the force

 

Hoje teve o III RPG Itinerante aqui no DF. Como sempre foi muito divertido. Desde a hora de sair de casa até a hora de voltar para casa. Acredito que este tipo de jogo é a essência da diversão do RPG: reunir-se com amigos, rolar alguns dados, fazer algumas poses heróicas e se curtir um bocado.

Mas hoje houve uma coisa que eu não esperava. A missão era simples: invadir uma festa de um senador da República e dar cabo dele. Um dos jogadores descreveu assim sua ação:

– Eu pego um dos garçons, arrasto até o banheiro e baixo as calças dele.

Sério… o jogador não conseguiu terminar a frase… porque começamos a zoar. Não era mais o lado negro da força, era o Pink o rainbow side.

É por essas e outras que eventos são super divertidos.